Pediu-me Kleber que eu selecionasse, de seus livros Caderno de Sonetos e Sonetos que não estão no Caderno, dez sonetos para mostrá-los no blog. Missão difícil escolher dez, numa centena de sonetos, todos eles belos e primorosamente elaborados...
Lembro aqui que o poeta e ensaísta José Chagas, em comentário ao Caderno de Sonetos, considera Kleber “um dos maiores sonetistas que temos” e diz que “ele, sem nenhuma dúvida, é o artesão perfeito do soneto tecnicamente perfeito”.
Eu, que convivo com Kleber há quatorze anos e tive a honra de prefaciar Sonetos que não estão no Caderno, bem sei de sua afeição a esse tipo de estrutura poemática, sujeita a regras rígidas de composição, a que ele obedece plenamente, mas sem deixar que se perca a espontaneidade com que sempre se expressa. Sei também que escrever versos é, para ele, tão natural quanto qualquer uma de suas atividades de lazer, a exemplo de ler um livro, assistir a um filme, beber uma cervejinha, conversar com amigos, ver seus programas preferidos de TV... E Kleber tem consciência de que é bom sonetista e de que compor sonetos não lhe exige grande esforço, como deixa perceber em O Sonetista: “ Para o bom sonetista, é leve o verso, / tão fácil como as notas de um dobrado / para as bandas que tocam nos coretos. // E ele é capaz de pôr um universo / no espaço extremamente limitado / de duas quadras e dois tercetos.”
Se para ele sonetear é fácil, para mim foi difícil eleger dez sonetos entre cem artefatos poéticos, iguais em beleza e qualidade. Restou-me, então, recorrer ao sorteio, e os sorteados foram estes:
BUSCANDO O FIM
Levantam nossos pés nuvens de poeira,
Vencendo prados, areais e montes,
Na confusão da última carreira
À procura de novos horizontes.
Deixamos para trás vales e fontes,
Lares, conquistas de uma vida inteira...
Ante abismos profundos e sem pontes,
Se alguém fala em voltar, não há quem queira!
Durante a marcha, parecemos certos
De que há oásis em todos os desertos
E brotam flores em qualquer jardim.
Vamos seguindo... Mas ninguém pressente
Que, mesmo caminhando para frente,
Também se pode não chegar ao fim.
(Kleber Lago, Caderno de Sonetos)
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IN MEMORIAM
Como valeu contigo ter vivido
o amor em cuja essência não cabia
uma forma sequer de hipocrisia,
fosse um ínfimo gesto fementido!
Ele expurgou da vida o proibido,
porquanto em seu contexto não havia
qualquer limitação à fantasia
nem lugar a desejo reprimido.
Graças ao nosso amor fomos felizes,
plantando em nossas vidas as raízes
do carinho e da mútua confiança.
E esse amor se tornou imenso e forte,
que até chego a descrer em tua morte,
por te manter tão viva na lembrança!
(Kleber Lago, Caderno de Sonetos)
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PROCURA
Eu procurava amor, paz e carinho
E, depois de dez anos de procura,
Percebi que eras tu a criatura
Com quem devia dividir meu ninho.
Hoje – é doce dizer! – não há espinho
Que consiga arranhar nossa ventura.
Tu me cobres a vida de ternura,
Que até me esqueço de que fui sozinho!
Ah! Desde o dia em que te achei, querida,
O carinho e o amor que me tens dado,
Para mim, valem tanto quanto a vida!
Creio que, se eu voltasse àquele dia
E não tivesse ainda te encontrado,
Por mais dez anos te procuraria.
(Kleber Lago, Sonetos que não estão no Caderno)
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MELHOR SE EU CHORASSE
Acompanhei-lhe todo o sofrimento.
Vi-a morrer tranqüila, como santa
Que entrega a Deus a alma, no momento
Em que a força da vida se quebranta.
Tentei chorar. Foi vão o meu intento...
Muito embora a vontade fosse tanta,
O choro não me veio, e um nó cruento
De dor ficou-me preso na garganta.
E se manteve assim por várias horas,
Até que, bem baixinho, ao meu ouvido,
Alguém me perguntou: - Por que não choras?
- Ah! Bem melhor seria se eu chorasse,
Pois dói bem mais o pranto reprimido
Do que o que jorra, em lágrimas, na face.
(Kleber Lago, Sonetos que não estão no Caderno)
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NOTURNO
Quando o dia escurece, logo cedo,
Eu me recolho ao quarto e abro a janela
Para deixar a noite entrar por ela
E vivê-la, sem traumas e sem medo.
São momentos de êxtase sem fim!
Eu, na quietude, a me embalar na rede...
Os astros projetando na parede
Um bailado de sombras ante mim...
Portadora de paz, ternura e encanto,
Cada noite que adentra meu recanto
Enche-me a alma de suavidade.
E, nesse clima, posso perceber
Muitas coisas do fundo do meu ser
Que não consigo ver na claridade!
(Kleber Lago, Caderno de Sonetos)
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REFLEXÃO
Deus criou, sem ajuda ou parcerias,
O céu, a terra, o mar, a luz que brilha...
E fez toda essa imensa maravilha
Num espaço de apenas sete dias.
Em águas, montes, vales, pradarias,
Deu vida a cada ser que cresce e afilha.
Fez surgir a energia que fervilha
Até na flor de pétalas macias.
Homem, fui feito à sua semelhança.
Mas, à razão que minha vida avança
Pela reta que leva ao fim da estrada,
Vou percebendo quanto em mim condeno
O fato de ter sido tão pequeno
E de não ter criado quase nada.
(Kleber Lago, Caderno de Sonetos)
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MEU PAI
A despeito da física fraqueza,
Era meu pai um sábio, de alma mansa,
Sempre pronto a levar luz e esperança
A quem visse entre as sombras da incerteza.
Nunca foi homem de juntar riqueza.
Mas, onde agora está, em paz descansa
Por haver nos deixado, como herança,
Seus exemplos de honra e de pureza.
Se ele viveu num mundo corrompido
Por vícios, desamor e falsidade,
Seus atos de virtude foram tantos,
Que Deus o recebeu, já decidido
A deixá-lo passar a eternidade
Ensinando bondade e amor aos santos.
(Kleber Lago, Sonetos que não estão no Caderno)
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MESMO SEM MOTIVO
(Ao amigo Joaquim Filho)
Quero, como você, viver Pedreiras
Com todo o encanto que consigo ver
No sibilo do vento nas palmeiras
E no canto das águas a correr.
Vivê-la, sim, de todas as maneiras
Que me façam sentir paz e prazer:
No calor de amizades verdadeiras
Que, a cada instante, a gente pode ter;
No gorjear dos passarinhos, quando
O claro da manhã vem se mostrando;
No pôr-do-sol, no movimento ativo
Das pessoas fazendo o dia a dia...
Mas juro que também a viveria
Se não houvesse um único motivo.
(Kleber Lago, Sonetos que não estão no Caderno)
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IMPACTO
De repente, joguei-lhe um beijo ao vê-la.
Ela, em troca, sorriu-me, graciosa,
Um certo encanto rútilo de estrela
A iluminar-lhe o rosto cor-de-rosa.
Nasceu aquele amor marcado pela
Relação tão intensa e carinhosa
Que partilhei com ela até perdê-la,
E ainda vivo a louvar em verso e prosa.
Hoje, mais de três décadas passadas,
Sinto, quando ficamos cara a cara,
As minhas estruturas abaladas.
Quero falar-lhe, não encontro jeito,
Porque meu velho coração dispara
Parecendo querer sair do peito.
(Kleber Lago, Caderno de Sonetos)
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A SEU LADO
Tudo deixei correr em desalinho,
Ao bel prazer da sorte leviana,
Regando orgias a cerveja e vinho
E zombando da fé de forma insana.
Foi ao cair em meio do caminho
Que percebi o quanto a vida engana,
Os amigo fugindo de mansinho
Quando mais precisei de ajuda humana.
Pedi socorro aos céus... Divina luz
Apareceu diante de mim: Jesus
Tinha ouvido o meu grito angustiado.
Com simples gesto, Ele me ergueu do chão.
Chamou-me, eu o segui e, desde então,
Passei a caminhar sempre a seu lado!
(Kleber Lago, Caderno de Sonetos)
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Como não escolhi os sonetos acima transcritos, reservei-me o direito de fazer referência a Meu Último Soneto, citando-lhe os dois tercetos: “Vivo é que penso, ajo, enfrento enganos, / Contorno as confusões em que me meto... / Assim, logo que o peso dos meus anos / Alcance o nível que eu não mais suporte, / Vou escrever meu último soneto, / Mas falando da vida, não da morte”.
Dessa forma, posso dar por cumprida a minha tarefa, servindo-me, mais uma vez, das palavras de José Chagas:
“É uma boa proposta. Esperamos, porém, que os anos não lhe pesem tanto e que esse nível insuportável não se dê tão cedo, para que ele possa escrever ainda muitos bons sonetos, antes desse último”.
Encerro, complementando o que disse o mestre Chagas: ... e para que nós – esposa, filhos, irmãos, demais parente e amigos – possamos continuar, por muito tempo, a conviver com uma pessoa que, além de excelente poeta, é alguém verdadeiramente humano, honesto, bom e sincero.
Cláudia Arôso
GOSTEI Da. CLAÚDIA, parabens! Adorei a escolha dos sonetos.
ResponderExcluirFÁBIA CARVALHO
Bela apresentação de sonetos do meu inesquecível professor Kléber.
ResponderExcluirGracy Luna
Só agora li este blog e nesta postagem posso ver que aqui temos um poeta que sabe fazer sonetos realmente como um "artesão perfeito".
ResponderExcluirCláudio Almeida Lemos
Sonetear não é pra qualquer um que se diz poeta. Mas eis aqui um que domina essa arte.
ResponderExcluirCarlos Borges
Seus sonetos eu os conheço quase todos, pois já tive a graça de ler "Caderno de Sonetos" e "Sonetos que não estão no Caderno". São perfeitos artefatos poéticos que revelam emoção, arte de compor e bom uso da língua.
ResponderExcluirMÁXIMO FIGUEIRA