sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

PRESO OU SOLTO, SEMPRE BOM

                                                                                                  Por CLÁUDIA ARÔSO


Ao se relacionar o nome Kleber Lago à poesia, logo vem à mente a idéia do sonetista disciplinado, do versejador ortodoxo que segue rigorosamente as regras de versificação e que pouco se serve dos permissivos gramaticais à linguagem poética. Mas eu, que conheço bem o seu trabalho e faço viagens constantes à sua obra, sei que não é assim.
É verdade que, no prefácio do livro Sonetos que não estão no Caderno, fiz referência a características que facilmente se encontram nos sonetos e em muitos outros poemas de Kleber, a exemplo de simplicidade de expressão, bom emprego da língua, uniformidade métrica dos versos e ausência de rimas imperfeitas ou assonantes. Isso, contudo, não significa que ele não faça uso de versos brancos e livres das amarras normativas. Só que o faz, imprimindo certa cadência que empresta musicalidade aos versos, tornando a leitura suave e agradável, como se pode observar nos textos abaixo, selecionados de seus livros Palavras e Outros Poemas, Um Pouco de Cada Momento e Tempo e Distância.

############

PALAVRAS
Nos corações em que busquei amor
ódio encontrei,
as mãos de que esperei carinhos
maus-tratos me deram,
os sábios a quem pedi verdades
mentiras me ensinaram.
Tenho o coração cheio de amor
para quem me odiou,
as mãos cheias de carinhos
para quem me maltratou
e a alma cheia de verdades
para quem me ensinou mentiras.

O RIO DE MINHA TERRA
Passa um rio pela terra
De quase todo poeta...

Minha terra também tem um rio
Que passa e deixa lembranças,
Que passa e deixa saudades,
Que me inunda de amor
Pela minha terra
Toda vez que em seu manso passar
Molha-me o corpo e a alma.

Se o simples passar de um rio
Pela terra de um poeta
É poesia,
Que nome devo dar
A um rio passando
Pela minha terra
E pela minha vida?

           BORDADEIRA
         SAPATEIRO
No universo mágico
De linhas e bastidores
Seu trabalho revela
A artista genial
Que existe dentro dela.
A agulha em sua mão
Vira condão de fada
E faz surgir no tecido
Pedaços de fantasia
Sob a forma de bordado.
Na lide cotidiana
do interior da oficina,
quase sempre indiferente
ao movimento das ruas,
esse operário trabalha
a sola crua e a pelica,
preparando proteções
para os pés que dinamizam
o vaivém da vida.

REGRESSO
Não me pergunte
por que fugi de novo.
Não me pergunte
aonde fui,
por que voltei
nem o que fiz pelos caminhos
de ida e volta.

Não me diga
que minha ausência
provocou saudades,
também não fale
que lhe fiz falta
enquanto estive fora;
pense apenas que voltei
para ficar.

Aperte-me contra o peito
com ternura,
sem cobrança,
e deixe entrar
mais uma vez em sua vida
o homem que a ama
e cujo tempo de fuga
terminou.

      COMPROMISSO
              AVÔ
Eu sei, Senhor,
Que minha vida
Será curta ou longa
De acordo com a tua vontade.
Mas como deixei de realizar
Uma porção de coisas,
Eu te peço que me segures
Um pouco mais por aqui.
Quando eu subir,
Pagarei com juros e correção
O tempo excedente
Que me concederes.
Levo para a terceira idade
A mesma consciência
Com que vivi
Minhas outras idades.
E enquanto minhas filhas
Não me dão netos
Vou brincando de avô
Com os cachorros
Que elas criam.

PERDIDO
Uma espécie de conformismo
abafou meus sonhos,
silenciou meus protestos,
desarticulou minhas lutas,
matou meu senso de fraternidade,
soterrou meu amor-próprio.

Estou perdido de mim mesmo!
Não posso reconhecer-me
nessa forma absurda em que me vejo:
distante de minha alma,
surdo aos apelos alheios,
insensível a meus próprios apelos. 

Desejo reencontrar-me,
mas não sei, ninguém me diz
onde foi que me perdi.

      INEVIDÊNCIA
          MUDANÇAS

O poeta evita o óbvio
Para não vulgarizar o verso.
Poesia não exige evidência
De causa e conseqüência.
Precisa apenas de idéia,
Mas a idéia tornada verbo
Pode, às vezes, parecer
Sem vislumbre de sentido,
Porque o poeta exprime
Questões substantivas
Com tanta abstração
Que a mensagem só alcança
As almas mais sensíveis,
Capazes de entender
O inevidente.
Fechei as portas da vida
Para as chatices do cotidiano
E joguei as chaves fora.
Tenho agora na cabeça
Apenas sentimentos leves
E um chapéu de palha.
No ermo da praia,
A sonoridade das ondas
Purifica meus ouvidos,
E a brisa litorânea
Enche meu peito
De cheiro de mar.
Sem os sapatos oprimentes
Caminho descalço na areia,
Sentindo os pés beijados
Pela escuma salgada
Que apaga meus rastros...

    SUPOSIÇÃO E CERTEZA
        DEPENDÊNCIA

Militares me perseguem,
Meretrizes me consolam.
Cada qual no seu papel.

Para os “filhos da pátria
Sou um “filho da puta”.
Para as meretrizes
Sou um “pai” provedor.

Eles imaginam que me perseguem
Em defesa da mãe.
Elas sabem que me consolam
Em defesa do pão.


Bem que tentei resistir,
Mas a força hipnótica
Desse teu feitiço
Neutralizou minha resistência.
Conseguiste deixar-me
A mercê do que querias
E, através de teus beijos,
Foste inoculando em mim
O ópio de teu amor
Até me tornares
Dependente irrecuperável
De ti.

                  Para encerrar esta mostra, busquei um trecho do poema Tempo e Distância. Pois este poema, além da beleza que encerra, revela e confirma a força da inspiração e a destreza de um poeta que é capaz de operar uma alternância constante entre textos construídos de versos rimados e metrificados e textos compostos de versos livres, levando o leitor a não perceber ou a quase não perceber a mudança, justamente pelo fato de ele dar aos versos brancos e livres aquela musicalidade a que me referi anteriormente.

TRECHO DO POEMA TEMPO E DISTÂNCIA
[...]

Minha procura, no entanto,
Não vai exigir canseiras.
Assim, vou mesclando o canto
Que me dispus a compor,
De outras nuanças do amor
Que dei em voto a Pedreiras.

E esse amor forte e sincero
Vai justificar (espero)
Que eu, carente de talento,
Para poder alcançar
Bom êxito em meu intento,
Tenha colhido, nas lavras
Do grande mestre, palavras
Que emprego no canto assim:
– Em qualquer tempo ou lugar,
“Se não” estou “em Pedreiras,
Pedreiras” está “em mim”.

Entre parênteses, digo
Que a poesia de Pedreiras
Não está restrita àquilo
Que um poeta pode expor
Por meio de versos livres
Ou sob métrica e rima.
Ela é a poesia do amor
Que um filho tem pela mãe.
E quem não sabe expressá-la
Basta amar para senti-la.

... E vê-la
No manso passar do rio
Ou no silêncio da pedra
Que vela a terra e a vida
Que dentro dela acontece;

... E ouvi-la
No chilrear dos pardais
Em festa ao entardecer,
Ou no farfalhar das palmas
Agitadas pelo vento;

... E admirá-la
No rubor de que se pintam
Os morros do lado oeste
No instante em que o sol poente
Por detrás deles se esconde,
Ou num pedaço de céu
Onde a ilusão do azul
Se mostra mais azul,
E o brilho das estrelas
Mais brilhante!

############

É desse jeito que Kleber se solta das amarras e adeja livremente, espalhando a poesia que ele é capaz de extrair de qualquer coisa material ou de qualquer sentimento motivador. Eu o admiro, porque ele, sujeito a normas ou liberados delas, é sempre bom no que escreve em versos.
Venho notando, nos últimos anos, o quanto Pedreiras tem demonstrado se orgulhar desse seu filho ilustre. E eu, pedreirense apenas por afinidade, sou forçada a dizer que, como qualquer pedreirense nato, também sinto orgulho em fazer parte da vida de um homem simples, responsável, culto, digno, amigo, brincalhão, alegre e sempre de bem com a vida, que hoje é um poeta de reconhecido valor, mas que, do alto de sua humildade, continua a se dizer um simples fazedor de versos, que escreve para ter algo de si a dividir com os outros, sem maiores pretensões
                                                                           Cláudia Arôso

domingo, 4 de dezembro de 2011

JARDELINA (de Os Loucos de Minha Terra)

KLEBER LAGO

Os Loucos de Minha Terra é um poema que escrevi com a intenção única de resgatar a história de seres humanos que se folclorizaram, mostrando, pelas ruas de Pedreiras, uma realidade em que apenas poetas e médicos costumam penetrar: os poetas, pela poesia que enxergam no modo de ser e agir dessas pessoas; os médicos, na busca por compreender como e por que os comportamentos delas se chocam com os daquelas outras pessoas que, no mesmo ambiente social de convivência, são consideradas normais.
O poema se fez livro, com tiragem de apenas mil exemplares. Confesso que eu não esperava o sucesso alcançado por esse despretensioso trabalho que veio a se tornar objeto de monografias e artigos, despertando, ainda, o interesse de profissionais das áreas de Psicologia e Psiquiatria. Dessa forma, para melhor atender às demandas, reeditei o poema, graficamente condensado, primeiro no livro Da Cidade da Pedra e do Rio e depois em Menções, Cantos e Louvores, ambos também de tiragem limitada, em face de serem os meus livros confeccionados de forma semiartesanal, sem requintes gráficos e a baixo custo de produção, para que eu possa distribuí-los gratuitamente a quem se interesse em lê-los.
                   Sei que muitas pessoas não tiveram acesso a esses livros. Assim, resolvi servir-me do blog para mostrar alguns capítulos de Os Loucos de Minha Terra, começando com Jardelina, uma das personagens do poema, e cuja história de vida e “loucura”, a exemplo das demais, tem tudo a ver com sentimento e poesia.

                                  IX - JARDELINA

Dentro do Bairro Paris,
de frente para a matriz,
ficava a casa do Gírio,
em cujo jardim nascia
uma flor que parecia
um mimoso e branco lírio.

No pequeno prédio ao lado,
em ruína, abandonado,
se alojara a Jardelina,
maluca do tipo jeca,
que tratava uma boneca
como se fosse menina.

De manhã cedo, colhia
três das flores e fazia
um pouco de água-de-cheiro.
Banhava a boneca e, então,
com um trapo de fustão,
lhe improvisava um cueiro.

Depois a punha deitada,
muito bem agasalhada,
no chão, num canto da sala.
E, de maneira tão bela,
alisava a fronte dela,
como uma mãe, a mimá-la.

Quando a “criança” dormia,
Jardelina, à luz do dia,
após lavar o vestido,
despida completamente,
chegava ao muro de frente,
onde o deixava estendido.

Enquanto a roupa secava,
nua ao sol, ela esperava,
andando entre a casa e o muro,
na inconsciente inocência
que mostrava, em transparência,
o seu espírito puro.

Dos bens, todos os que tinha
cabiam numa trouxinha.
Porém, vazia a barriga
não ficava, pois comida
farta lhe era servida
pela vizinhança amiga.
Viveu na velha morada
até ser desabrigada,
ao vir a demolição.
E lá se foi Jardelina,
com sua trouxa e a “menina”,
para a Rua Oscar Galvão.

Num terreno não murado,
já pelo mato tomado,
encontrou seu novo lar:
um resto de casa, aberto,
quase todo descoberto
e a ponto de desabar.

Lá também, cada vizinho
lhe dava pão e carinho,
sem ficar aborrecido
quando ela, nua e serena,
repetia aquela cena
da secagem do vestido.

Jardelina foi embora,
ninguém soube o dia e a hora...
Se dela ficou saudade,
não vi, em nenhum momento.,
a cor de tal sentimento
presente em nossa cidade.

Na verdade, me parece
que, nem mesmo numa prece,
uma palavra se diz
por aquela pobre alma
que escondia em tanta calma
o quanto fora infeliz.

Eu próprio posso dizer
que só hoje vim saber
que ficou louca a coitada,
quando vivia na roça,
e o fogo em sua palhoça
matou-lhe a filha, queimada.

E, por isso, Jardelina
mantinha viva a menina
na figura da boneca,
uma prova tão segura
de que nem mesmo a loucura
os sentimentos nos seca.
                           LAGO, Kleber Cantanhede. Os Loucos de Minha Terra. São Luís: KCL, 2007)


Obrigado pela atenção. Obrigado pelo prestígio que têm dado a este blog, refletido na quantidade de visitas de leitores do Brasil e do exterior, demonstração inequívoca de que também a literatura produzida em Pedreiras-Maranhão-Brasil tem o poder de ultrapassar fronteiras para universalizar-se.
                                                                                            Kleber Lago

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

POESIA PEDREIRENSE - JOÃO E EDIVALDO

                                                                                                            CLÁUDIA ARÔSO
                  Quando minha saudosa sogra, Maria Cantanhede Lago, ainda residia em Pedreiras, algumas vezes visitei a terra natal de meu marido, onde tive oportunidade de conhecer, entre outros amigos de Kleber, dois que dele se consideravam discípulos poéticos: João Barreto e Edivaldo Santos.
Li poemas de ambos e cheguei a emitir um comentário acerca de trabalhos de João, em seu livro Empréstimos e Puxada e outros poemas. Não me bastasse observar nesses dois poetas competência para dizer coisas simples e bonitas em poemas bem elaborados e agradáveis de ler e ouvir, também senti o prazer de admirar-lhes o senso de gratidão e de reconhecimento com que cada um deles, a seu modo, foi capaz de exprimir, em versos, a esse que hoje é reconhecido como uma das maiores expressões da literatura pedreirense.
Sou colaboradora ativa do Blog Kleber Lago, cuja finalidade é divulgar tanto os trabalhos de seu criador quanto de outros que fazem parte do universo poético de Pedreiras. Aqui tenho meu espaço para fazer livremente, dentro do espírito do blog, aquilo que ache conveniente. Assim, resolvi, nesta postagem, mostrar alguns frutos das lavras do saudoso João Barrêto e de Edivaldo Santos, incluindo os poemas em que eles prestam homenagem a Kleber Lago.

João Barrêto

                                                  R Ô N I
                         João Barrêto

Kleber Lago, ao se mudar
Para o Rio de Janeiro,
Deixou-me um belo exemplar
Mestiço de perdigueiro.

Rôni chamava-se o cão.
E, talvez por ser mestiço,
Era um tanto brincalhão
E adorava um rebuliço.

Desmentindo o que os humanos
Falam sobre cão e gato,
Ele com nossos bichanos
Dividia espaço e prato.

Mas se estava a repousar,
Para tirá-lo do tento,
Bastava pronunciar,
Bem alto, o nome jumento.

Rôni, então, de cara brava
E meio desnorteado
Por não ver nada, ladrava
Correndo pra todo lado.

Da lembrança hoje resgato
A imagem do velho cão
Para destacar um fato
Que me causou emoção.

Após dois anos ou três,
Kleber, de volta à cidade,
Aqui ficou quase um mês
Matando um pouco a saudade.

Num dado fim de semana,
Sábado, quase à noitinha,
Estávamos na Romana,
Bebendo uma cervejinha.

Rôni vinha calmamente,
Seguindo o Antônio, meu filho.
Quando nos viu, de repente,
Seu olhar se encheu de brilho.

Parou à porta um instante.
E, alegre que nem um mono,
Entrou no bar de rompante
A encontro do antigo dono.

Cheirou-o, lambeu-lhe os braços,
As pernas, o corpo inteiro,  
Ganhando fortes abraços
Do seu velho companheiro.

Depois de tanto carinho
E troca de gentileza,
Acomodou-se, quietinho,
No chão, debaixo da mesa.

A boa farra rolava...
Vai cerveja e cantoria...
De volta, Antônio o chamava,
Mas o cão não se mexia.

Só quando Kleber saiu
Dizendo que ia embora,
Rôni, entendendo o que ouviu,
Grudou-se a ele, na hora.

Nem a palavra jumento
O tirava do regalo.
E, ante o canino argumento,
Kleber dispôs-se a levá-lo.

Assim, já meio “queimado”,
Mas com certa paciência,
Comigo e com Rôni ao lado,
Foi à minha residência.

Tão logo que nós chegamos,
Peguei a corda e a coleira,
Prendendo o cão sob os ramos
De uma velha gameleira.

Voltávamos caminhando
No rumo da Rua Nova,
E foi justamente quando
Da amizade deu-se a prova:

Um latido em tom de choro,
Solto com certa pujança,
Fez-se repetido em coro
Pelos cães da vizinhança.

Kleber, pelo cotovelo,
Puxou-me e disse: - Barrêto,
Vamos ali ao Camelo
Para eu fazer um soneto.

... O soneto que escreveu
Ainda guardo na memória.
E aqui o coloco eu
Por ser parte desta história.
Amigo, eu não cheguei ainda ao tanto
Que almejo, em termo de conhecimento.
Mas, no pouco que sei, eu te garanto
Que o animal tem alma e sentimento.

Causa emoção sentir que o Rôni chora!
Isso, bem mais que o álcool, me embriaga.
E, nesta embriaguez, me ponho agora
A parafrasear Belmiro Braga.

Andando entre pessoas sorrateiras
No curso desta vida, subi morros,
Desci também inúmeras ladeiras.

E qual disse Belmiro, hoje te digo:
- Se entre os amigos encontrei cachorros
achei entre os cachorros um amigo.

Em verdade, nos terrenos
Do saber, nós, os humanos,
Não passamos de pequenos
Cultivadores de enganos. 

Só damos luzes e cores
Às nossas próprias conquistas.
E até mesmo em nossas dores
Somos um tanto egoístas.

Os exemplos são freqüentes
De, em razão de alguns receios,
Ficarmos indiferentes
Aos sentimentos alheios.

Neste caso, aprendi que
Entre os cães, bem ao contrário,
Tanto amizade se vê
Quanto senso solidário.

Só agora, que me sento
Sobre isso a meditar,
Vejo quanto, em sentimento,
Deixamos a desejar.

E eis que encerro o meu relato
Afirmando, em confissão,
Que hoje aos cachorros sou grato
Por esta grande lição.         
                        Pedreiras, 1978
                                       

                                                    
                                   SENSAÇÃO INEXPRIMÍVEL
                                                         João Barrêto

Quando uma saudade sinto,
Dói no início, realmente,
Mas, depois, me faz contente...
E, sendo claro e sucinto,
Parece como se fosse
Taça de bom vinho doce
Que, após trago de absinto,
Adoça os lábios da gente.
 
Isso é porque, na verdade,
A falta de um grande amor
Perde seu gosto de dor,
No instante em que nos invade
Qualquer lembrança querida
Que, do passado trazida,
Troca o amargo da saudade
Por um sublime dulçor.

Sensação que considero
Alento para a estesia
De quem tudo fantasia.
Porém, para ser sincero,
Exprimi-la no papel,
Em soneto ou em cordel,
Mesmo em letra de bolero,
Eu jamais conseguiria.

                            Pedreiras,1993              

                                         RIMA E POESIA                                                                         
                                                                                  João Barrêto

Se acaso exista quem tema
A rima, deixo um recado:
Não tenha medo de rima!
Rima não morde ninguém,
A não ser quando um coitado
Mostra um mau-gosto rimado
No que acha ser um poema,
Na pretensão de dar clima
De poesia ao que não tem.

Quem gosta de se expressar,
Usando o verso rimado,
Deve, portanto, evitar
Qualquer prática abusiva
De verso de pé quebrado
E de rima apelativa.
                           
O bom poeta é sensato.
Logo, invariavelmente,
Como ele sempre prima
Pela imagem do que cria,
Diz com poesia o que sente,
Mesmo estando a rima ausente.
Difere dos que, de fato,
Abusam muito da rima,
E exprimem pouca poesia.

Pedreiras,1998                              
                                              

                                 ODE AO MESTRE

                                                       João Barrêto

Eu tive um grande mestre em minha vida,
alguém que, desde jovem, sábio era,
correndo no real, a toda brida,
ou voando, tranquilo, na quimera.

Bastou-me apenas encontrar guarida
em sua alma amiga e tão sincera
para que a minha fosse preenchida
de saber, muito mais do que eu quisera!

Por isso afirmo, agora, com razão,
que a linha do meu estro nunca estrago
bordando rimas sobre tema vão.

E se fazer poesia fosse guerra,
eu só me curvaria a Kleber Lago
– o maior dos poetas desta terra!

                                                                                           Pedreiras,1999

Edivaldo Santos

                                        O SORRISO DE MARIA
                                     
                           Edivaldo Santos
Ao de mim te aproximares
Sem perguntar se eu queria,
Senti os nossos olhares
Em perfeita sintonia.
E no teu doce sorriso
Vi algo que só diviso
No sorriso de Maria.

Em sua candura imensa,
Puro, sem hipocrisia,
Teu sorriso é a presença
Do próprio Deus, em poesia.
Por isso, digo e repito
Que nada há mais bonIto
Que o sorriso de Maria.

Tal presente radiante
Que recebo todo dia
Vale mais que diamante
Ou prêmio de loteria.
Posso afirmar, com certeza,
Que não há maior riqueza
Que o sorriso de Maria.

Não há o que corresponda
Ao sorriso de magia
Que Leonardo, em A Gioconda,
Expressou com a mestria
Própria do seu gênio raro.
Porém, nem esse eu comparo
Ao sorriso de Maria.

Não faço o menor juízo
De como eu viveria
Sem as cores do sorriso
Da cria da minha cria.
Talvez morresse de estresse
Se comigo não tivesse
O sorriso de Maria.

Maria Virgem, na dor
Do parto, também sorria
Dando à luz o Salvador,
Nas palhas da estrebaria.
Naquele instante, José
Compreendeu, em sua fé
O sorriso de Maria.

Para mim, o teu sorriso
É o tipo de terapia
De que hoje mais preciso.
Na Celeste Drogaria,
Sou, como avô, paciente
Que se tornou dependente
Do sorriso de Maria.

Se te dessem outro nome
Que não fosse o de Maria,
Entrando em greve de fome,
Teu nome eu não chamaria,
Por não caber a beleza
Expressa na singeleza
Do sorriso de Maria!

                                        
                                       LIÇÃO DE RITA
                                                
                                                                                  Edivaldo Santos
Mamãe, sábia na pobreza
De estudo e conhecimentos,
Deu-me, com seus fundamentos,
Hereditária riqueza.
Criou-me com singeleza,
Usando em sua missão
Pouco SIM e muito NÃO,
Sem, porém, negar-me afeto
E tudo quanto é correto
Numa boa educação.

O ter sido assim criado
Nunca me causou revolta.
Foi bom tê-la à minha volta
E, ao ver-me desocupado,
Ela fazer de um ditado
O seu constante bordão.
E sempre, eu gostasse ou não,
A mamãe me repetia
Que “Toda mente vazia
É oficina do cão.”

Assim que papai morreu,
Minha mãe, no mesmo instante,
Sentiu que para adiante
Teria um fardo só seu.
Seis filhos que o amor lhes deu,
Pela orfandade marcados,
Teriam de ser criados
Com disciplina e carinho
E seguir pelo caminho
Dos cidadãos educados.
A mamãe, que sua vida
Vivia em função da nossa,
Tratou de fazer da roça
Uma opção preterida:
Por meta a ser atingida
Tinha a nossa educação.
Não que a enxada e o facão
Nos tornassem desonrados,
Sim porque nos ver formados
Era a sua aspiração.

Agora, homens formados,
Gratos por sua labuta
E pelo esforço na luta
Por nos ver realizados,
Sentimo-nos consternados
Ao abraçá-la, doente
Desse mal que apaga a mente.
E a gente lamenta e chora,
Pois a mãe que a gente adora
Não conhece mais a gente.

De nossa mãe lutadora
Mantém-se o exemplo de pé.
Quanta fibra, quanta fé!
E como foi vencedora
Esta sábia professora
Que, hoje, frágil, combalida,
Em sua mente esquecida
Nada mais sabe, nem dela!
Mas se ponho os olhos nela
Só vejo lições de vida. 

          LAVOURA DE SENTIMENTOS
                                            Edivaldo Santos
Na seara do meu peito,
Poeta e sempre sujeito
A saudosos pensamentos,
Eu semeei sentimentos
Num canteiro de emoção.
Mas, como sol de verão
Ardia sem piedade,
No meu quintal de saudade
Só cresceu mesmo paixão.

Alegre como criança,
Plantei a verde esperança
De uma “vida cor-de-rosa”
E sonhei vê-la viçosa
Colorindo a plantação.
Porém fiquei na ilusão
De sua fertilidade:
No meu quintal de saudade
Só cresceu mesmo paixão. 
Fertilizei meu pomar
Com ternura de luar,
Amor, carícia e apego,
E com chuva de aconchego
Preparei a irrigação.
Pra minha decepção,
Não brotou felicidade:
No meu quintal de saudade
Só cresceu mesmo paixão.

Na seara do meu peito
Algo não anda direito.
Como num solo de pedra,
O que ali planto não medra.
Assim, eu vou, com razão,
Respeitar-lhe a aptidão,
Já que, por fatalidade, 
No meu quintal de saudade
Só cresce mesmo paixão.

                      NINGUÉM CANTA PEDREIRAS
                      COMO CANTA KLEBER LAGO
Edivaldo Santos
               Homenagem que presta o autor ao nosso poeta-maior, no dia de seu aniversário.
Taí um filho da terra
Que louva sua cidade,
Em tudo quanto ela encerra,
Com a graça e a intensidade
Das mensagens altaneiras.
Lendo seus versos, me indago
Se alguém já cantou Pedreiras
Como canta Kleber Lago.

João falou de seus encantos,
Corrêa e outros também,
Na beleza de seus cantos,
Levaram-lhe o nome além
De nossas velhas fronteiras.
Mas uma certeza eu trago:
- Que ninguém canta Pedreiras
Como canta Kleber Lago.

Kleber resgata a história
Da cidade e sua gente.
E o seu cantar funde a glória
Do passado e a do presente
A idéias alvissareiras
Para o futuro inda vago.
Ah! Ninguém canta Pedreiras
Como canta Kleber Lago!

São inúmeros poemas...
Os versos somam milhares
Sobre a terra, e sempre os temas
São seu povo, seus lugares
E o rio, entre as ribanceiras,
Dizendo com certo afago
Que ninguém canta Pedreiras
Como canta Kleber Lago.

Há sonetos (não são poucos)
De um louvor com maestria.
Em Tempo e Distância, Os Loucos...,
Louvação, toda a poesia
Que inspira emoções fagueiras.
– Um sonho em que me embriago,
Tendo, ante os olhos, Pedreiras
Como canta Kleber Lago!

Por voluntária adoção,
Sou desta terra também.
Poeta por vocação,
Mostro que lhe quero bem.
Mas digo, sem ciumeiras,
Que ao ler o mestre, eu naufrago.
Pois não sei cantar Pedreiras
Como canta Kleber Lago.

A ele todo o respeito
Que eu possa guardar comigo.
Já me sinto satisfeito
Só em tê-lo como amigo.
Então, por essas ribeiras,
Se igual não canto, propago
Que ninguém canta Pedreiras
Como canta Kleber Lago.
                         Pedreiras, 21/2/2010

                  Para quem não é de Pedreiras ou ainda não teve o prazer de conhecê-la, devo prestar algumas informações sobre os dois poetas autores dos poemas aqui mostrados e sobre suas relações com Kleber Lago.
                  João de Sá Barrêto (JOÃO BARRÊTO)
Nasceu no município de Pedreiras, em 18 de dezembro de 1938 e passou a ser lembrança e saudade a partir de 11 de abril de 2011. Membro fundador da Academia Pedreirense de Letras, homenageado com a Comenda Corrêa de Araújo e admirado como talentoso versejador, notabilizou-se pelos poemas satíricos que escreveu, retratando, com fina ironia, de forma alegre, inofensiva e agradável de ler e ouvir, pessoas e situações do cotidiano pedreirense.
Amigo de Kleber desde a infância, tomou-o, mais tarde, por mestre do ofício da Contabilidade e dele também recebeu lições de versificação, o que, segundo ouvi do próprio João, no primeiro encontro que tivemos em Pedreiras, na residência de Da, Maria Lago: foi o abrir das cortinas para minha vida profissional e para o disciplinamento do meu dizer em versos.   
Dos poemas de João Barrêto, bem elaborados e reveladores de sua grande verve e de sua invejável capacidade de ir poeticamente do lírico ao satírico, muitos foram publicados em folhetos, coletâneas poéticas de Pedreiras e, finalmente, reunidos no livro Empréstimos e Puxada e outros poemas, editado por Kleber em 2011 e oferecido como presente ao amigo, por ocasião do último aniversário que o Gregório de Matos pedreirense comemorou, neste lado da vida.
Edivaldo Sousa dos Santos (EDIVALDO SANTOS)
Nasceu em 26 de fevereiro de 1957. Ludovicense de berço, é “advogado por profissão, poeta por vocação e pedreirense por adoção”.
Quem lê Edivaldo logo percebe sua predileção pela chamada “poesia cabocla”, cuja simplicidade e leveza ele carrega, quase que invariavelmente, para outras formas de expressão poética que exigem uma linguagem mais apurada. Uma de suas características marcantes é a composição a partir de um “mote”, transformado em refrão ao final de cada estrofe, o que, a propósito, ele faz com certa habilidade, tornando os poemas em que isso ocorre, agradáveis a quem os lê ou a quem os ouve. Ele faz versos carregados de emoção e romantismo, falando da natureza, das pessoas e do cotidiano da terra que escolheu para viver, e também caminha pelo campo das sátiras. Publicou trabalhos em CD, na Revista “De Repente” – especializada em divulgação de poesia popular, em coletâneas poéticas de Pedreiras e no livro de sua autoria Do Coração do Poeta.
Edivaldo Santos é membro fundador da Academia Pedreirense de Letras e seu atual vice-presidente, exercendo o mandato pela segunda vez consecutiva, ao lado do presidente Kleber Lago, que ele considera grande amigo e conselheiro.

                                                          Cláudia Arôso