sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

PRESO OU SOLTO, SEMPRE BOM

                                                                                                  Por CLÁUDIA ARÔSO


Ao se relacionar o nome Kleber Lago à poesia, logo vem à mente a idéia do sonetista disciplinado, do versejador ortodoxo que segue rigorosamente as regras de versificação e que pouco se serve dos permissivos gramaticais à linguagem poética. Mas eu, que conheço bem o seu trabalho e faço viagens constantes à sua obra, sei que não é assim.
É verdade que, no prefácio do livro Sonetos que não estão no Caderno, fiz referência a características que facilmente se encontram nos sonetos e em muitos outros poemas de Kleber, a exemplo de simplicidade de expressão, bom emprego da língua, uniformidade métrica dos versos e ausência de rimas imperfeitas ou assonantes. Isso, contudo, não significa que ele não faça uso de versos brancos e livres das amarras normativas. Só que o faz, imprimindo certa cadência que empresta musicalidade aos versos, tornando a leitura suave e agradável, como se pode observar nos textos abaixo, selecionados de seus livros Palavras e Outros Poemas, Um Pouco de Cada Momento e Tempo e Distância.

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PALAVRAS
Nos corações em que busquei amor
ódio encontrei,
as mãos de que esperei carinhos
maus-tratos me deram,
os sábios a quem pedi verdades
mentiras me ensinaram.
Tenho o coração cheio de amor
para quem me odiou,
as mãos cheias de carinhos
para quem me maltratou
e a alma cheia de verdades
para quem me ensinou mentiras.

O RIO DE MINHA TERRA
Passa um rio pela terra
De quase todo poeta...

Minha terra também tem um rio
Que passa e deixa lembranças,
Que passa e deixa saudades,
Que me inunda de amor
Pela minha terra
Toda vez que em seu manso passar
Molha-me o corpo e a alma.

Se o simples passar de um rio
Pela terra de um poeta
É poesia,
Que nome devo dar
A um rio passando
Pela minha terra
E pela minha vida?

           BORDADEIRA
         SAPATEIRO
No universo mágico
De linhas e bastidores
Seu trabalho revela
A artista genial
Que existe dentro dela.
A agulha em sua mão
Vira condão de fada
E faz surgir no tecido
Pedaços de fantasia
Sob a forma de bordado.
Na lide cotidiana
do interior da oficina,
quase sempre indiferente
ao movimento das ruas,
esse operário trabalha
a sola crua e a pelica,
preparando proteções
para os pés que dinamizam
o vaivém da vida.

REGRESSO
Não me pergunte
por que fugi de novo.
Não me pergunte
aonde fui,
por que voltei
nem o que fiz pelos caminhos
de ida e volta.

Não me diga
que minha ausência
provocou saudades,
também não fale
que lhe fiz falta
enquanto estive fora;
pense apenas que voltei
para ficar.

Aperte-me contra o peito
com ternura,
sem cobrança,
e deixe entrar
mais uma vez em sua vida
o homem que a ama
e cujo tempo de fuga
terminou.

      COMPROMISSO
              AVÔ
Eu sei, Senhor,
Que minha vida
Será curta ou longa
De acordo com a tua vontade.
Mas como deixei de realizar
Uma porção de coisas,
Eu te peço que me segures
Um pouco mais por aqui.
Quando eu subir,
Pagarei com juros e correção
O tempo excedente
Que me concederes.
Levo para a terceira idade
A mesma consciência
Com que vivi
Minhas outras idades.
E enquanto minhas filhas
Não me dão netos
Vou brincando de avô
Com os cachorros
Que elas criam.

PERDIDO
Uma espécie de conformismo
abafou meus sonhos,
silenciou meus protestos,
desarticulou minhas lutas,
matou meu senso de fraternidade,
soterrou meu amor-próprio.

Estou perdido de mim mesmo!
Não posso reconhecer-me
nessa forma absurda em que me vejo:
distante de minha alma,
surdo aos apelos alheios,
insensível a meus próprios apelos. 

Desejo reencontrar-me,
mas não sei, ninguém me diz
onde foi que me perdi.

      INEVIDÊNCIA
          MUDANÇAS

O poeta evita o óbvio
Para não vulgarizar o verso.
Poesia não exige evidência
De causa e conseqüência.
Precisa apenas de idéia,
Mas a idéia tornada verbo
Pode, às vezes, parecer
Sem vislumbre de sentido,
Porque o poeta exprime
Questões substantivas
Com tanta abstração
Que a mensagem só alcança
As almas mais sensíveis,
Capazes de entender
O inevidente.
Fechei as portas da vida
Para as chatices do cotidiano
E joguei as chaves fora.
Tenho agora na cabeça
Apenas sentimentos leves
E um chapéu de palha.
No ermo da praia,
A sonoridade das ondas
Purifica meus ouvidos,
E a brisa litorânea
Enche meu peito
De cheiro de mar.
Sem os sapatos oprimentes
Caminho descalço na areia,
Sentindo os pés beijados
Pela escuma salgada
Que apaga meus rastros...

    SUPOSIÇÃO E CERTEZA
        DEPENDÊNCIA

Militares me perseguem,
Meretrizes me consolam.
Cada qual no seu papel.

Para os “filhos da pátria
Sou um “filho da puta”.
Para as meretrizes
Sou um “pai” provedor.

Eles imaginam que me perseguem
Em defesa da mãe.
Elas sabem que me consolam
Em defesa do pão.


Bem que tentei resistir,
Mas a força hipnótica
Desse teu feitiço
Neutralizou minha resistência.
Conseguiste deixar-me
A mercê do que querias
E, através de teus beijos,
Foste inoculando em mim
O ópio de teu amor
Até me tornares
Dependente irrecuperável
De ti.

                  Para encerrar esta mostra, busquei um trecho do poema Tempo e Distância. Pois este poema, além da beleza que encerra, revela e confirma a força da inspiração e a destreza de um poeta que é capaz de operar uma alternância constante entre textos construídos de versos rimados e metrificados e textos compostos de versos livres, levando o leitor a não perceber ou a quase não perceber a mudança, justamente pelo fato de ele dar aos versos brancos e livres aquela musicalidade a que me referi anteriormente.

TRECHO DO POEMA TEMPO E DISTÂNCIA
[...]

Minha procura, no entanto,
Não vai exigir canseiras.
Assim, vou mesclando o canto
Que me dispus a compor,
De outras nuanças do amor
Que dei em voto a Pedreiras.

E esse amor forte e sincero
Vai justificar (espero)
Que eu, carente de talento,
Para poder alcançar
Bom êxito em meu intento,
Tenha colhido, nas lavras
Do grande mestre, palavras
Que emprego no canto assim:
– Em qualquer tempo ou lugar,
“Se não” estou “em Pedreiras,
Pedreiras” está “em mim”.

Entre parênteses, digo
Que a poesia de Pedreiras
Não está restrita àquilo
Que um poeta pode expor
Por meio de versos livres
Ou sob métrica e rima.
Ela é a poesia do amor
Que um filho tem pela mãe.
E quem não sabe expressá-la
Basta amar para senti-la.

... E vê-la
No manso passar do rio
Ou no silêncio da pedra
Que vela a terra e a vida
Que dentro dela acontece;

... E ouvi-la
No chilrear dos pardais
Em festa ao entardecer,
Ou no farfalhar das palmas
Agitadas pelo vento;

... E admirá-la
No rubor de que se pintam
Os morros do lado oeste
No instante em que o sol poente
Por detrás deles se esconde,
Ou num pedaço de céu
Onde a ilusão do azul
Se mostra mais azul,
E o brilho das estrelas
Mais brilhante!

############

É desse jeito que Kleber se solta das amarras e adeja livremente, espalhando a poesia que ele é capaz de extrair de qualquer coisa material ou de qualquer sentimento motivador. Eu o admiro, porque ele, sujeito a normas ou liberados delas, é sempre bom no que escreve em versos.
Venho notando, nos últimos anos, o quanto Pedreiras tem demonstrado se orgulhar desse seu filho ilustre. E eu, pedreirense apenas por afinidade, sou forçada a dizer que, como qualquer pedreirense nato, também sinto orgulho em fazer parte da vida de um homem simples, responsável, culto, digno, amigo, brincalhão, alegre e sempre de bem com a vida, que hoje é um poeta de reconhecido valor, mas que, do alto de sua humildade, continua a se dizer um simples fazedor de versos, que escreve para ter algo de si a dividir com os outros, sem maiores pretensões
                                                                           Cláudia Arôso

4 comentários:

  1. Muito bom. Lindo ver o poeta ser mostrado por completo na palavra de quem o ama e o conhece muito bem. Lindo mesmo, Cláudia.
    Sônia Martha

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  2. Conheço o trabalho poético de Kleber Lago e já tive oportunidade de dizer que ele é um dos melhores poetas que temos. Seus comentários, Cláudia, refletem verdades acerca de quem bem sabe dizer em qualquer forma de compor poemas.
    Realmente, ele é "preso ou solto, sempre bom".
    MÁXIMO FIGUEIRA

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  3. Presente n/ blog mais uma vez. Gostei das poesias, dos comentários também.
    Jonas Almeida (SLZ)

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  4. Se mantiver essa linha, o blog será sempre um sucesso.
    Carlos Borges

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