quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O SONETISTA


Pediu-me Kleber que eu selecionasse, de seus livros Caderno de Sonetos e Sonetos que não estão no Caderno, dez sonetos para mostrá-los no blog. Missão difícil escolher dez, numa centena de sonetos, todos eles belos e primorosamente elaborados...
Lembro aqui que o poeta e ensaísta José Chagas, em comentário ao Caderno de Sonetos, considera Kleber “um dos maiores sonetistas que temos” e diz que “ele, sem nenhuma dúvida, é o artesão perfeito do soneto tecnicamente perfeito”.
Eu, que convivo com Kleber há quatorze anos e tive a honra de prefaciar Sonetos que não estão no Caderno, bem sei de sua afeição a esse tipo de estrutura poemática, sujeita a regras rígidas de composição, a que ele obedece plenamente, mas sem deixar que se perca a espontaneidade com que sempre se expressa. Sei também que escrever versos é, para ele, tão natural quanto qualquer uma de suas atividades de lazer, a exemplo de ler um livro, assistir a um filme, beber uma cervejinha, conversar com amigos, ver seus programas preferidos de TV... E Kleber tem consciência de que é bom sonetista e de que compor sonetos não lhe exige grande esforço, como deixa perceber em O Sonetista:  “ Para o bom sonetista, é leve o verso, / tão fácil como as notas de um dobrado / para as bandas que tocam nos coretos. // E ele é capaz de pôr um universo / no espaço extremamente limitado / de duas quadras e dois tercetos.” 
Se para ele sonetear é fácil, para mim foi difícil eleger dez sonetos entre cem artefatos poéticos, iguais em beleza e qualidade. Restou-me, então, recorrer ao sorteio, e os sorteados foram estes:



            BUSCANDO O FIM

Levantam nossos pés nuvens de poeira,
Vencendo prados, areais e montes,
Na confusão da última carreira
À procura de novos horizontes.

Deixamos para trás vales e fontes,
Lares, conquistas de uma vida inteira...
Ante abismos profundos e sem pontes,
Se alguém fala em voltar, não há quem queira!

Durante a marcha, parecemos certos
De que há oásis em todos os desertos
E brotam flores em qualquer jardim.

Vamos seguindo... Mas ninguém pressente
Que, mesmo caminhando para frente,
Também se pode não chegar ao fim.
             
        (Kleber Lago, Caderno de Sonetos)


              IN MEMORIAM

Como valeu contigo ter vivido
o amor em cuja essência não cabia
uma forma sequer de hipocrisia,
fosse um ínfimo gesto fementido!

Ele expurgou da vida o proibido,
porquanto em seu contexto não havia
qualquer limitação à fantasia
nem lugar a desejo reprimido.

Graças ao nosso amor fomos felizes,
plantando em nossas vidas as raízes
do carinho e da mútua confiança.

E esse amor se tornou imenso e forte,
que até chego a descrer em tua morte,
por te manter tão viva na lembrança!

                 (Kleber Lago, Caderno de Sonetos)



                PROCURA

Eu procurava amor, paz e carinho
E, depois de dez anos de procura,
Percebi que eras tu a criatura
Com quem devia dividir meu ninho.

Hoje – é doce dizer! – não há espinho
Que consiga arranhar nossa ventura.
Tu me cobres a vida de ternura,
Que até me esqueço de que fui sozinho!

Ah! Desde o dia em que te achei, querida,
O carinho e o amor que me tens dado,
Para mim, valem tanto quanto a vida!

Creio que, se eu voltasse àquele dia
E não tivesse ainda te encontrado,
Por mais dez anos te procuraria.
             
     (Kleber Lago,  Sonetos que não estão no Caderno)


      MELHOR SE EU CHORASSE

Acompanhei-lhe todo o sofrimento.
Vi-a morrer tranqüila, como santa
Que entrega a Deus a alma, no momento
Em que a força da vida se quebranta.

Tentei chorar. Foi vão o meu intento...
Muito embora a vontade fosse tanta,
O choro não me veio, e um nó cruento
De dor ficou-me preso na garganta.

E se manteve assim por várias horas,
Até que, bem baixinho, ao meu ouvido,
Alguém me perguntou: - Por que não choras?

- Ah! Bem melhor seria se eu chorasse,
Pois dói bem mais o pranto reprimido
Do que o que jorra, em lágrimas, na face.

     (Kleber Lago,  Sonetos que não estão no Caderno)




                     NOTURNO

Quando o dia escurece, logo cedo,
Eu me recolho ao quarto e abro a janela
Para deixar a noite entrar por ela
E vivê-la, sem traumas e sem medo. 

São momentos de êxtase sem fim!
Eu, na quietude, a me embalar na rede...
Os astros projetando na parede
Um bailado de sombras ante mim...

Portadora de paz, ternura e encanto,
Cada noite que adentra meu recanto
Enche-me a alma de suavidade.

E, nesse clima, posso perceber
Muitas coisas do fundo do meu ser
Que não consigo ver na claridade!
             
         (Kleber Lago, Caderno de Sonetos)


                 REFLEXÃO

Deus criou, sem ajuda ou parcerias,
O céu, a terra, o mar, a luz que brilha...
E fez toda essa imensa maravilha
Num espaço de apenas sete dias.

Em águas, montes, vales, pradarias,
Deu vida a cada ser que cresce e afilha.
Fez surgir a energia que fervilha
Até na flor de pétalas macias.

Homem, fui feito à sua semelhança.
Mas, à razão que minha vida avança
Pela reta que leva ao fim da estrada,

Vou percebendo quanto em mim condeno
O fato de ter sido tão pequeno
E de não ter criado quase nada.

         (Kleber Lago, Caderno de Sonetos)




                MEU PAI

A despeito da física fraqueza,
Era meu pai um sábio, de alma mansa,
Sempre pronto a levar luz e esperança
A quem visse entre as sombras da incerteza.

Nunca foi homem de juntar riqueza.
Mas, onde agora está, em paz descansa
Por haver nos deixado, como herança,
Seus exemplos de honra e de pureza.

Se ele viveu num mundo corrompido
Por vícios, desamor e falsidade,
Seus atos de virtude foram tantos,

Que Deus o recebeu, já decidido
A deixá-lo passar a eternidade
Ensinando bondade e amor aos santos.
             
         (Kleber Lago,  Sonetos que não estão no Caderno)


      MESMO SEM MOTIVO
                                                          (Ao amigo Joaquim Filho)
Quero, como você, viver Pedreiras
Com todo o encanto que consigo ver
No sibilo do vento nas palmeiras
E no canto das águas a correr.

Vivê-la, sim, de todas as maneiras
Que me façam sentir paz e prazer:
No calor de amizades verdadeiras
Que, a cada instante, a gente pode ter;

No gorjear dos passarinhos, quando
O claro da manhã vem se mostrando;
No pôr-do-sol, no movimento ativo

Das pessoas fazendo o dia a dia...
Mas juro que também a viveria
Se não houvesse um único motivo.

    (Kleber Lago,  Sonetos que não estão no Caderno)



                     IMPACTO

De repente, joguei-lhe um beijo ao vê-la.
Ela, em troca, sorriu-me, graciosa,
Um certo encanto rútilo de estrela
A iluminar-lhe o rosto cor-de-rosa. 

Nasceu aquele amor marcado pela
Relação tão intensa e carinhosa
Que partilhei com ela até perdê-la,
E ainda vivo a louvar em verso e prosa.

Hoje, mais de três décadas passadas,
Sinto, quando ficamos cara a cara,
As minhas estruturas abaladas.

Quero falar-lhe, não encontro jeito,
Porque meu velho coração dispara
Parecendo querer sair do peito.
              
          (Kleber Lago, Caderno de Sonetos)


                 A SEU LADO

Tudo deixei correr em desalinho,
Ao bel prazer da sorte leviana,
Regando orgias a cerveja e vinho
E zombando da fé de forma insana.

Foi ao cair em meio do caminho
Que percebi o quanto a vida engana,
Os amigo fugindo de mansinho
Quando mais precisei de ajuda humana.

Pedi socorro aos céus... Divina luz
Apareceu diante de mim: Jesus
Tinha ouvido o meu grito angustiado.

Com simples gesto, Ele me ergueu do chão.
Chamou-me, eu o segui e, desde então,
Passei a caminhar sempre a seu lado!

               (Kleber Lago, Caderno de Sonetos)


Como não escolhi os sonetos acima transcritos, reservei-me o direito de fazer referência a Meu Último Soneto, citando-lhe os dois tercetos: “Vivo é que penso, ajo, enfrento enganos, / Contorno as confusões em que me meto... / Assim, logo que o peso dos meus anos / Alcance o nível que eu não mais suporte, / Vou escrever meu último soneto, / Mas falando da vida, não da morte”.
Dessa forma, posso dar por cumprida a minha tarefa, servindo-me, mais uma vez, das palavras de José Chagas:
“É uma boa proposta. Esperamos, porém, que os anos não lhe pesem tanto e que esse nível insuportável não se dê tão cedo, para que ele possa escrever ainda muitos bons sonetos, antes desse último”.
Encerro, complementando o que disse o mestre Chagas: ... e para que nós – esposa, filhos, irmãos, demais parente e amigos – possamos continuar, por muito tempo, a conviver com uma pessoa que, além de excelente poeta, é alguém verdadeiramente humano, honesto, bom e sincero.

                                                               Cláudia Arôso

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

IMORTAIS POETAS

Neste espaço, só as datas de nascimento dos poetas estão indicadas, pois os que o ocupam foram imortalizados por aquilo que nos deixaram escrito. Portanto, em nós permanecem e permanecerão vivos Corrêa de Araújo, Antenor Amaral, Ribamar Lopes e João Barreto, figurantes dos seguintes quadros organizados por Cláudia Arôso:

RAIMUNDO CORRÊA DE ARAÚJO
29/05/1885 – ( ... )
 Advogado, professor, estudioso, culto, profundo conhecedor dos problemas sociais e senhor da arte de versejar, tornou-se um dos mais brilhantes poetas maranhenses e o maior dos nascidos em Pedreiras.
Fez os primeiros estudos em Pedreiras. Continuou-os em São Luís, onde se formou e viveu a maior parte de sua vida, sentindo-se um exilado da terra berço, a qual visitava de vez em quando para, de volta ao “exílio”, evocar lembranças em versos carregados de sentimentos de amor e de saudades da cidade natal, de sua gente e do rio Mearim, que ele chamava o Jordão de seu batismo.
Membro fundador da Academia Maranhense de Letras, é o patrono da Cadeira nº 8 da Academia Pedreirense de Letras, em que tem acento seu fundador, o poeta Samuel Barrêto.
Corrêa de Araújo está imortalizado em tudo o que nos deixou escrito, do que grande parte se acha reunida em suas principais obras: Harpas de Fogo, Evangelho do Moço, Acrópole, Ode a Portugal, Ode a Gonçalves Dias, O Canto das Cigarras e O Tiranete de Atenas.
                   * * *
De Volta

                     Corrêa de Araújo


Cheguei há pouco. E São Luís parece
Ao meu saudoso olhar, o abominado,
O tenebroso exílio em que padece,
Longe do céu natal, o desterrado.

Desventurados, mais desventurado
Que eu não sois! A saudade me enlouquece,
Se olho além, onde um vulto iluminado
De menina e de moça resplandece.

Cego aos prazeres, chego à noite e à vida
Da cidade, persegue-me a miragem,
E os olhos volvo à aparição querida.

No exílio em que a má sorte me desterra,
Não penso em mais ninguém, só vejo a imagem
Daquela que deixei na minha terra.



                                        * * *

   O Porto de Pedreiras

                   Antenor Amaral


A vila em que se deu meu nascimento,
Agora, bem maior, feita cidade,
Vive o fervor de intenso movimento,
Refletindo o progresso que a invade.

A cada novo dia, um novo evento
E um sonho que se torna realidade!
Em todo o Mearim, neste momento,
Minha terra é a de mais prosperidade.

Lanchas no cais, embarcações cargueiras...
Vai e vem de gente e de mercadorias...
Tudo efervesce o Porto de Pedreiras,

Onde sempre descubro algo de novo
Na sensação de ouvir mil profecias
Sobre a glória futura deste povo!

                                                           
                                  
ANTENOR MAGALHÃES DO AMARAL
03/06/1896 -  ( ... )
Este pedreirense, de grande prestígio social e político, morou em sua terra natal até 1942, quando se transferiu para o Estado do Rio de Janeiro, instalando-se, primeiro, em Itaocara e, depois, em Nova Iguaçu.
Coletor Federal, Deputado à Assembleia Constituinte  Maranhense de 1935, Delegado do Tesouro Nacional no Estado do Rio de Janeiro, sempre teve, profissional e politicamente, uma  conduta irreprovável.
Autodidata, leitor compulsivo e “devora-dor de livros”, nestes teve sua principal escola, onde obteve conhecimentos que, somados aos advindos das experiências de vida, fizeram com que ele, favorecido por invejável riqueza de imaginação, revelasse seus talentos, escrevendo poemas, contos e crônicas, de forma elegante, gramaticalmente correta e agradável de ler.
Antenor Amaral está imortalizado na Academia Pedreirense de Letras, como patrono da Cadeira nº 1, fundada e ocupada pelo poeta Edivaldo Santos.
  
                        * * *


JOSÉ DE RIBAMAR LOPES
08/11/1932 – ( ... )
 Poeta, contista, pesquisador e ensaísta, este ilustre pedreirense se tornou um dos mais expressivos e reconhecidos cultores e estudiosos da Literatura de Cordel.
Ainda muito jovem, mudou-se para Fortaleza-CE. Ali complementou os estudos iniciados na terra natal e, paralelamente às atividades profis-sionais, dedicou-se a seus escritos, à pesquisa sobre o Cordel e ao apoio aos cordelistas do Ceará, o que lhe rendeu o epíteto de “Pai dos Cordelistas Cearenses”.
Recebeu vários prêmios literários em níveis regional (no Maranhão e no Ceará) e nacional (Talentos da Maturi-dade). Citam-se, entre suas principais obras: Quinze Contos Contados, Viola de Saudade, Sete Temas de Cordel, Cordel Mito e Utopia, Literatura de Cordel e A Cabra.
Ribamar Lopes é o patrono da Cadeira nº 34 da Academia Pedreirense de Letras, a qual foi fundada pelo poeta João Barreto e por este ocupada até 11 de abril de 2011.  


Relembrando o Mearim

                  Ribamar Lopes

Esse teu ar solene, majestoso,
Com que deslizas entre as ribanceiras;
Esse fazer-se lento, vagaroso,
Quando banhas as terras de Pedreiras...

As Mães-d’água sorrindo, feiticeiras,
Com acenos de amor, encanto e gozo;
O canto ritual das lavadeiras;
O abismo do teu leito pedregoso...

Os batelões, as lanchas, as canoas;
Os remadores entoando loas,
Jogando no teu dorso suas mágoas...

Relembro tudo isso com saudade...
E, relembrando, mais cresce a vontade
De voltar pra banhar-me em tuas águas.


                  * * *


JOÃO DE SÁ BARRÊTO
18/12/1938 – ( ... )
 Boêmio por natureza, poeta por vocação, notabilizou-se pelos poemas satíricos em que, com jocosa irreve-rência, ironizava fatos e personagens do cotidiano de Pedreiras.
A reconhecida qualidade da poesia de João Barreto levou-o ao lugar de destaque que, hoje, ele ocupa entre os mais louvados poetas de sua terra.
Suas sátiras, sonetos e diversas outros poemas, tão bem elaborados e já amplamente divulgados por meio de folhetos, jornais e edições da Coletânea Poética de Pedreiras, foram reunidas no livro Empréstimo e Puxadas e Outros Poemas, editado em 2010 por Kleber Lago, como presente pela passagem do 72º aniversário do seu grande amigo e confrade.
Fundador da Cadeira de nº 34 da Academia Pedreirense de Letras, patroneada por Ribamar Lopes, João Barrêto a deixou vaga, no dia 11/04/2011, para ir ocupar o seu merecido espaço na galeria dos imortais.

Pálida Lembrança

                        João Barrêto


Por que os anos se foram tão depressa?
Por que o tempo seguiu me não parou?
Por que segui, também, com tanta pressa
E não fiquei com tudo que ficou?

Como a tocha voraz que se arremessa
Sobre a relva que um dia o sol secou,
Foi a desdita cruel sobre a promessa
Que meu peito infeliz acalentou.

Nosso idílio tão belo, como a lua
A espelhar-se num lago de água mansa,
Unia minha alma a alma tua.

E hoje, já desfeita a esperança,
Em meu peito apenas se insinua
Uma eterna e pálida lembrança.


                  * * *

Em verdade, um poema e uma simples síntese biográfica de cada um desses poetas não são o bastante para expressar toda a grandeza de suas almas iluminadas. Mas servem como registro de reconhecimento à importância que tiveram esses ilustres vultos para a vida cultural de nossa terra, razão por que hoje lhe prestamos o nosso culto, tal como lhes hão de prestar as gerações de pedreirenses que nos sucederem.

Kleber Lago