PREFÁCIO (continuação)
Cláudia
Arôso (*)
[...] “A riqueza de sua expressividade tem o simples como
característica principal, dispensando rebuscamentos. Ele pouco recorre aos
permissivos gramaticais à linguagem poética. Garante-se na liberdade do
hipérbato para manter o metro e preservar a tessitura dos versos, e sempre
evita a quebra do nexo sintático nos períodos que formam o texto poético. Em
suma, junta à técnica de composição singeleza de expressão e bom emprego da
língua na elaboração da mensagem, levando o leitor, mesmo o de nível
intelectual menor, a entendê-la com facilidade.
Entre parêntese lembro aqui que este novo livro, a exemplo de todos os
outros publicados pelo autor, também traz a sua marca mais visível: a presença
da terra natal, a qual ele costuma louvar com exagerada ufania, em nome de um
amor que pelo tamanho declarado só pode caber em coração de poeta. Foi
justamente a forma encantadora com que se exprime, no que diz respeito a isso,
que inspirou o seu amigo e também poeta, Edivaldo Santos, a escrever o poema Ninguém
canta Pedreiras como canta Kleber Lago”. [...]
11
TRILOGIA
De
poeta, de médico e de louco
Eu
vivo todo dia algum momento.
No
campo da poesia faço pouco
E
ainda quase nada represento.
No
campo médico eu também cavouco
E,
às vezes, sem qualquer constrangimento,
A
quem vejo febril, gripado ou rouco
Arrisco-me
a indicar o tratamento.
Só
quando vivo o louco vou a fundo:
Sou
capaz de pintar o céu de preto,
Atear
num minuto fogo ao mundo,
E
depois, dançar nu por entre as chamas.
Mas
a maior loucura que cometo
É,
mesmo, acreditar que tu me amas.
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12
MACAÚBA
Do
sítio dela já não há mais nada...
Mas
não esqueço, não me sai da mente
A
Macaúba – velha desbocada,
De
coração tão grande e alma inocente –
Que
nos cedia a área sombreada
Entre
grandes mangueiras, onde a gente
Dançava
e, às vezes, numa rede armada,
Podia
namorar discretamente.
Com
sua morte, a graça foi embora
Daquele
espaço, onde ninguém mais dança
E
onde na rede ninguém mais namora.
Agora,
tudo ali virou cidade.
E
o sítio é simplesmente uma lembrança
Que
inspira sentimentos de saudade...
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13
PROCURA
Eu
procurava amor, paz e carinho
E,
depois de dez anos de procura,
Percebi
que era tu a criatura
Com
quem devia dividir meu ninho.
Hoje
– É doce dizer! – não há espinho
Que
consiga arranhar nossa ventura.
Tu
me cobres a vida de ternura,
Que
até me esqueço de que fui sozinho!
Ah!
Desde o dia em que te achei, querida,
O
carinho e o amor que me tens dado,
Para
mim, valem tanto quanto a vida!
Creio
que, se eu voltasse àquele dia
E
não tivesse ainda te encontrado,
Por
mais dez anos te procuraria.
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14
O BAR DO ÍNDIO
No
Bar
do Índio não se encontram flores
e
outros adorno convencionais,
mas
vive cheio de frequentadores
com
pretensões intelectuais.
À
mesa, cada um desses senhores,
após
cinco cervejas, não faz amais
do
que assumir seus lúdicos valores
de
um alterocopista contumaz.
E
basta apenas uma hora e meia
de
barriga vazia, nesse embalo.
para
o freguês ficar de cara cheia.
Pois
no bar da cerveja saborosa
e
do tradicional bingo do galo,
o
tira-gosto que se come é prosa.
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15
MELHOR, SE EU CHORASSE
Acompanhei-lhe
todo o sofrimento.
Vi-a
morrer tranquila, como santa
Que
entrega a Deus a alma, no momento
Em
que a força da vida se quebranta.
Tentei
chorar, foi vão o meu intento...
Muito
embora a vontade fosse tanta,
O
choro não me veio, e um nó cruento
De
dor ficou-me preso na garganta.
E
se manteve assim por várias horas,
Até
que, bem baixinho, ao meu ouvido
Alguém
me perguntou: – Por que não choras?
–
Ah! Bem melhor seria se eu chorasse,
Pois
dói bem mais o pranto reprimido
Do
que o que jorra em lágrimas na face...
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16
MERGULHO
SEM RETORNO
Ágil como os
mandis e as choradeiras
do velho
Mearim , o explorador
vasculhou
lajes sob as corredeiras
e locas
submersas, sem temor.
Hoje o rio,
por entre as barranceiras,
descendo
mansamente, chora a dor
deste
momento triste em que Pedreiras
sepulta seu
maior mergulhador.
O grande
Pequapá que tanta glória
conquistou
sob a água a cada prova,
sai dessa
vida para entrar na história,
enquanto,
num esquife sem adorno,
seu corpo
frio vai descendo à cova
nesse mergulho
que não tem retorno.
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17
ILHAS
História
imensa em área pouco vasta,
Arquitetura
que deslumbra o esteta!
Chagas
diz que essa ilha só lhe basta.
Eu
digo que ela apenas me completa.
Numa
visão que do real se afasta,
Que
só concebe a mente do poeta,
Ou
a alma infantil ainda casta,
Eu
tenho a minha “ilha” predileta.
Alheio
ao geográfico conceito,
Afirmo
que é Pedreiras essa ilha.
Pois
lá, mesmo por águas não cercado,
Sinto
cheiro insular dentro do peito
E
gozo tudo que me maravilha,
Rodeado
de amoré por todo lado.
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18
TRIZIDELA
DE PEDREIRAS
Por
razões nada mais que interesseiras,
Houve
a tal divisão oficialmente.
Mas,
para o coração de nossa gente,
Trizidela
será sempre Pedreiras.
Povo
não se divide com fronteiras.
E
nenhum sobrenome inteligente
Faz
esquecer raízes, de repente,
Como
se fossem coisas passageiras.
Trizidela
é a filha liberada
Que
à mãe não vai deixar de estar ligada,
Por
tudo que da mãe existe nela.
E
nunca vão citar-lhe o sobrenome,
Para
dizer que a pedra que deu nome
A
Pedreiras, está na Trizidela.
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19
MEU PAI
A
despeito da física fraqueza,
Era
meu pai um sábio de alma mansa,
Sempre
pronto a levar luz e esperança
A
quem visse entre as sombras da incerteza.
Nunca
foi homem de juntar riqueza.
Mas,
onde agora está, em paz descansa
Por
haver nos deixado como herança
Seus
exemplos de honra e de pureza.
Se
ele viveu num mundo corrompido
Por
vícios, desamor e falsidade,
Seus
atos de virtude foram tantos,
Que
Deus o recebeu, já decidido
A
deixá-lo passar a eternidade
Ensinando
bondade e amor aos santos.
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20
MITUCA
E O CARNAVAL
Libente,
de alma cândida e solteiro,
bebia
muito, mas pelo prazer
de
mostrar alegria o ano inteiro
na
maneira sui generis de ser.
No
carnaval, bastava que um pandeiro
soasse,
para ele aparecer
soprando
o apito e liberando o cheiro
da
cana que gostava de beber.
Imagino
Mituca em pleno clima
do
momesco festejo – já restrito
aos
que se foram para o andar de cima.
E
Deus, cobrindo os seus olhos divinos
ao
vê-lo bêbedo, a soprar o apito,
à
frente de um cordão de anjos-meninos.
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21
LUAR
Eu
não sei se há no mundo outro luar
Lindo
como o luar de minha terra,
Capaz
de todo o vale pratear
Desde
que a lua surge junto à serra.
É
um tipo de encanto singular
O
que o luar da minha terra encerra.
Faz
o descrente ateu em Deus pensar
E
a rispidez do rústico desterra.
Luar,
na minha terra, inspira sonhos,
Transforma
qualquer um em seresteiro,
Torna
os casais sisudos mais risonhos...
Enfim,
luar ali sempre é bem-vindo.
Pena,
ele ter de se acabar primeiro
Que
no horizonte o sol venha surgindo...
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22
COMPENSAÇÃO
Quase
sempre que alguém perde um amor,
bem
no fundo do peito ele descobre
aquela
sensação da mesma dor
que,
em Finados, provoca o sino em dobre.
Viver
lhe traz aos lábios o sabor
do
azinavre criado sobre o cobre;
e
aos olhos, sempre a imagem de um sol-pôr
que
a noite, com seu véu, rápido encobre.
Chora,
lamenta, fica deprimido
e
quer morrer... Porém, tudo termina
a
partir do momento em que Cupido,
mirando
para o centro de seu peito,
na
ponta de um seta lhe destina
um
novo amor, melhor do que o desfeito.
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23
VISITA
AO MEU MUNDO
Parece-me emoção inusitada
Essa que sinto, quando vou
daqui,
Ruminando desejos, pela
estrada
Que me conduz à terra onde
nasci.
A viagem se torna demorada,
Mesmo estando a cidade logo
ali.
E mais curta que seja uma
parada,
Fico inquieto, tal como um
guri.
Mas tudo se transforma num
segundo,
Quando me vejo dentro do meu
mundo
Ao lado dos amigos mais
queridos.
Mal piso o chão, já saio a
desfrutar
O que Pedreiras tem de
singular,
Com a força de todos os
sentidos!
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© Lago,
Kleber. Sonetos que não estão no Caderno. São Luís: KCL, 2010.