quinta-feira, 23 de agosto de 2018

SONETOS DE ONTEM E DE HOJE PARA SEMPRE VI - Textos do livro Sonetos que não estão no Caderno (parte 2)



                                           PREFÁCIO (continuação)
                                                                                       Cláudia Arôso (*)

[...] “A riqueza de sua expressividade tem o simples como característica principal, dispensando rebuscamentos. Ele pouco recorre aos permissivos gramaticais à linguagem poética. Garante-se na liberdade do hipérbato para manter o metro e preservar a tessitura dos versos, e sempre evita a quebra do nexo sintático nos períodos que formam o texto poético. Em suma, junta à técnica de composição singeleza de expressão e bom emprego da língua na elaboração da mensagem, levando o leitor, mesmo o de nível intelectual menor, a entendê-la com facilidade.
Entre parêntese lembro aqui que este novo livro, a exemplo de todos os outros publicados pelo autor, também traz a sua marca mais visível: a presença da terra natal, a qual ele costuma louvar com exagerada ufania, em nome de um amor que pelo tamanho declarado só pode caber em coração de poeta. Foi justamente a forma encantadora com que se exprime, no que diz respeito a isso, que inspirou o seu amigo e também poeta, Edivaldo Santos, a escrever o poema Ninguém canta Pedreiras como canta Kleber Lago”. [...]

11
                 TRILOGIA

De poeta, de médico e de louco
Eu vivo todo dia algum momento.
No campo da poesia faço pouco
E ainda quase nada represento.

No campo médico eu também cavouco
E, às vezes, sem qualquer constrangimento,
A quem vejo febril, gripado ou rouco
Arrisco-me a indicar o tratamento.

Só quando vivo o louco vou a fundo:
Sou capaz de pintar o céu de preto,
Atear num minuto fogo ao mundo,

E depois, dançar nu por entre as chamas.
Mas a maior loucura que cometo
É, mesmo, acreditar que tu me amas.

12
                    MACAÚBA

Do sítio dela já não há mais nada...
Mas não esqueço, não me sai da mente
A Macaúba – velha desbocada,
De coração tão grande e alma inocente –

Que nos cedia a área sombreada
Entre grandes mangueiras, onde a gente
Dançava e, às vezes, numa rede armada,
Podia namorar discretamente.

Com sua morte, a graça foi embora
Daquele espaço, onde ninguém mais dança
E onde na rede ninguém mais namora.

Agora, tudo ali virou cidade.
E o sítio é simplesmente uma lembrança
Que inspira sentimentos de saudade...


13
                   PROCURA

Eu procurava amor, paz e carinho
E, depois de dez anos de procura,
Percebi que era tu a criatura
Com quem devia dividir meu ninho.

Hoje – É doce dizer! – não há espinho
Que consiga arranhar nossa ventura.
Tu me cobres a vida de ternura,
Que até me esqueço de que fui sozinho!

Ah! Desde o dia em que te achei, querida,
O carinho e o amor que me tens dado,
Para mim, valem tanto quanto a vida!

Creio que, se eu voltasse àquele dia
E não tivesse ainda te encontrado,
Por mais dez anos te procuraria.

14
                 O BAR DO ÍNDIO

No Bar do Índio não se encontram flores
e outros adorno convencionais,
mas vive cheio de frequentadores
com pretensões intelectuais.

À mesa, cada um desses senhores,
após cinco cervejas, não faz amais
do que assumir seus lúdicos valores
de um alterocopista contumaz.

E basta apenas uma hora e meia
de barriga vazia, nesse embalo.
para o freguês ficar de cara cheia.

Pois no bar da cerveja saborosa
e do tradicional bingo do galo,
o tira-gosto que se come é prosa.


15
       MELHOR, SE EU CHORASSE

Acompanhei-lhe todo o sofrimento.
Vi-a morrer tranquila, como santa
Que entrega a Deus a alma, no momento
Em que a força da vida se quebranta.

Tentei chorar, foi vão o meu intento...
Muito embora a vontade fosse tanta,
O choro não me veio, e um nó cruento
De dor ficou-me preso na garganta.

E se manteve assim por várias horas,
Até que, bem baixinho, ao meu ouvido
Alguém me perguntou: – Por que não choras?

– Ah! Bem melhor seria se eu chorasse,
Pois dói bem mais o pranto reprimido
Do que o que jorra em lágrimas na face...

16
      MERGULHO SEM RETORNO

Ágil como os mandis e as choradeiras
do velho Mearim , o explorador
vasculhou lajes sob as corredeiras
e locas submersas, sem temor.

Hoje o rio, por entre as barranceiras,
descendo mansamente, chora a dor
deste momento triste em que Pedreiras
sepulta seu maior mergulhador.

O grande Pequapá que tanta glória
conquistou sob a água a cada prova,
sai dessa vida para entrar na história,

enquanto, num esquife sem adorno,
seu corpo frio vai descendo à cova
nesse mergulho que não tem retorno.


                                                                              17
                  ILHAS

História imensa em área pouco vasta,
Arquitetura que deslumbra o esteta!
Chagas diz que essa ilha só lhe basta.
Eu digo que ela apenas me completa.

Numa visão que do real se afasta,
Que só concebe a mente do poeta,
Ou a alma infantil ainda casta,
Eu tenho a minha “ilha” predileta.

Alheio ao geográfico conceito,
Afirmo que é Pedreiras essa ilha.
Pois lá, mesmo por águas não cercado,

Sinto cheiro insular dentro do peito
E gozo tudo que me maravilha,
Rodeado de amoré por todo lado.
 
18
       TRIZIDELA DE PEDREIRAS

Por razões nada mais que interesseiras,
Houve a tal divisão oficialmente.
Mas, para o coração de nossa gente,
Trizidela será sempre Pedreiras.

Povo não se divide com fronteiras.
E nenhum sobrenome inteligente
Faz esquecer raízes, de repente,
Como se fossem coisas passageiras.

Trizidela é a filha liberada
Que à mãe não vai deixar de estar ligada,
Por tudo que da mãe existe nela.

E nunca vão citar-lhe o sobrenome,
Para dizer que a pedra que deu nome
A Pedreiras, está na Trizidela.


                                                                              19
                MEU PAI

A despeito da física fraqueza,
Era meu pai um sábio de alma mansa,
Sempre pronto a levar luz e esperança
A quem visse entre as sombras da incerteza.

Nunca foi homem de juntar riqueza.
Mas, onde agora está, em paz descansa
Por haver nos deixado como herança
Seus exemplos de honra e de pureza.

Se ele viveu num mundo corrompido
Por vícios, desamor e falsidade,
Seus atos de virtude foram tantos,

Que Deus o recebeu, já decidido
A deixá-lo passar a eternidade
Ensinando bondade e amor aos santos.

20
      MITUCA E O CARNAVAL

Libente, de alma cândida e solteiro,
bebia muito, mas pelo prazer
de mostrar alegria o ano inteiro
na maneira sui generis de ser.

No carnaval, bastava que um pandeiro
soasse, para ele aparecer
soprando o apito e liberando o cheiro
da cana que gostava de beber.

Imagino Mituca em pleno clima
do momesco festejo – já restrito
aos que se foram para o andar de cima.

E Deus, cobrindo os seus olhos divinos
ao vê-lo bêbedo, a soprar o apito,
à frente de um cordão de anjos-meninos.


                                                                              21
                  LUAR

Eu não sei se há no mundo outro luar
Lindo como o luar de minha terra,
Capaz de todo o vale pratear
Desde que a lua surge junto à serra.

É um tipo de encanto singular
O que o luar da minha terra encerra.
Faz o descrente ateu em Deus pensar
E a rispidez do rústico desterra.

Luar, na minha terra, inspira sonhos,
Transforma qualquer um em seresteiro,
Torna os casais sisudos mais risonhos...

Enfim, luar ali sempre é bem-vindo.
Pena, ele ter de se acabar primeiro
Que no horizonte o sol venha surgindo...

22
                COMPENSAÇÃO

Quase sempre que alguém perde um amor,
bem no fundo do peito ele descobre
aquela sensação da mesma dor
que, em Finados, provoca o sino em dobre.

Viver lhe traz aos lábios o sabor
do azinavre criado sobre o cobre;
e aos olhos, sempre a imagem de um sol-pôr
que a noite, com seu véu, rápido encobre.

Chora, lamenta, fica deprimido
e quer morrer... Porém, tudo termina
a partir do momento em que Cupido,

mirando para o centro de seu peito,
na ponta de um seta lhe destina
um novo amor, melhor do que o desfeito.


23
   VISITA AO MEU MUNDO

Parece-me emoção inusitada
Essa que sinto, quando vou daqui,
Ruminando desejos, pela estrada
Que me conduz à terra onde nasci.

A viagem se torna demorada,
Mesmo estando a cidade logo ali.
E mais curta que seja uma parada,
Fico inquieto, tal como um guri.

Mas tudo se transforma num segundo,
Quando me vejo dentro do meu mundo
Ao lado dos amigos mais queridos.

Mal piso o chão, já saio a desfrutar
O que Pedreiras tem de singular,
Com a força de todos os sentidos!


© Lago, Kleber. Sonetos que não estão no Caderno. São Luís: KCL, 2010.