PREFÁCIO (excertos do)
Cláudia
Arôso (*)
[...]
“Há doze anos acompanho a vida e a obra poética de Kleber Lago e posso dizer
que escrever poemas é um prazer para ele, e como o gosto pelo soneto lhe
apareceu ainda na adolescência, deduzo que o prazer é maior quando compõe
sonetos. E isso ele faz, revelando excelência na técnica de compor. Mas me
parece mesmo que ideia, métrica, ritmo e rima saem de sua mente
espontaneamente, porque ao se sentar ele para escrever um soneto, este fica
pronto em poucos minutos.
Basta um pouco de atenção
para se notar que suas composições trazem uniformidade métrica nos versos: se o
primeiro é decassílabo, todos os demais o são. Assim também ocorre no caso de
versos hendecassílabos e de versos dodecassílabos (alexandrinos). O apoio rítmico,
responsável pela musicalidade, obedece, com o possível rigor, ao convencionado
nas normas de versificação. Observa-se ainda que Kleber nunca usa rimas
assonantes (empírico/espírito, tarde/parte) e só se serve de rimas
imperfeitas (véus/meus, fosse/posse, ser/mulher, estrela/amarela),
quando as terminações das palavras rimadas guardem forte identidade sônica, a
exemplo de fosse/doce, mais/paz, nus/azuis etc.
Kleber, além de dominar
as técnicas de versificação, tem seu próprio estilo, bom conhecimento
gramatical e facilidade para discorrer sobre diversos assuntos. Tudo isso se
alia a um extraordinário talento para sonetear ou versejar em qualquer outra
estrutura poemática, permitindo-lhe aplicar, no curso da composição, a dose de
lirismo apropriada e capaz de revelar poesia, até nos casos em que desenvolve
temas que nada parecem conter de poético.” [...]
(*) Cláudia Maria Arôso Mendes Barbosa é
Licenciada em Letras - com pós-graduação
em
Docência Superior e em Gestão Pública.
1
ÁGUA SAGRADA
Da
“Pedra Grande” avistam-se as primeiras
Curvas
por onde serpenteia o rio
De
água barrenta, num correr macio
Entre
pés de criuli e gameleiras.
Dali
até o porto de Pedreiras,
Ele
desce quilômetros a fio,
Chamando
o canoeiro a desafio
Só
em duas pequenas corredeiras.
É
o velho Mearim, em cuja água
Tantas
vezes lavei o corpo e a alma,
Afogando
tristeza, dor e mágoa.
Água
sacramental do meu batismo,
Em
que eu também, de volta à vida calma
Da
minha terra amada, hoje me crismo.
|
2
BEIJOS
De
repente me vejo (adolescente)
Num
dos ensaios de carinho e amor
Do
namoro entre nós, mais que inocente
E
que a ninguém podíamos expor.
No
silêncio dos cantos mais escuros
E
ermos dos jardins já ensombrados,
Teus
beijos eram doces e tão puros
Quanto
o que tinham de desajeitados.
Mais
tarde, muitos beijos sensuais
De
outras bocas provei... E hoje te digo
Que
muitos deles eu não lembro mais.
Porém,
os que trocamos no começo
Daquele
nosso namorico antigo,
Esses,
juro por Deus, que nunca esqueço.
|
3
MARCAS
Se
é isso enigma, não me consome.
Eu
nunca quis saber por que razão
Trago
a primeira letra do meu nome,
Em
vez de um “M”, na palma da mão.
É
que, além dessa marca que não some,
Há,
em mim, outras fora de padrão.
Por
exemplo: ironizo o frio e a fome,
Quando
me encontro sem abrigo e pão.
Não
choro os sonhos meus que não dão certo,
Nem
meus frutos que, em tempo de colheita,
Murcham
bem antes que eu lhes chegue perto.
Se
minha mão não colhe o que semeia,
Em
regra, meu estômago rejeita
O
que de graça vem de roça alheia.
|
4
PASSAGEM
Não
sei se o tempo é que passa por mim
Ou
se sou eu que pelo tempo passo.
Dessa
passagem, sei que um só pedaço
Não
há, que eu tenha achado árduo ou ruim.
Qual
dos dois passa não importa... Assim,
Tento
ocupar na vida o meu espaço,
Em
sua plenitude, e nada faço
Em
busca de razões para o que vim.
Se
foi para viver, então eu vivo.
E
apesar de sujeito a sofrimento,
Na
alegria é que vejo algum motivo.
Gosto
do riso. Chorarei, no entanto,
Passando
o tempo ou eu, se algum momento
Venha
exigir de mim tristeza e pranto.
|
5
DOIS MOMENTOS
Fica
a terra rachada e empobrecida
Durante
a seca que o sertão deplora.
Parece
até que está morrendo a vida
Em
redutos humanos, fauna e flora.
À
Santa Mãe de Deus Compadecida,
Em
procissão, o povo aflito implora
Que
traga a chuva desaparecida,
Só
que a graça, se chega, é com demora...
Mas
quando chega, deixa logo em cio
A
terra que, emprenhando, dá certeza
De
devolver, no parto, à natureza
O
quanto ela perdeu no longo estio,
Com
retorno de todos os primores,
Em
forma de verdor, frutos e flores.
|
6
CEMITÉRIO SÃO JOSÉ
Uma ladeira
em curva e outra em seguida
já deixam
morto quem caminha a pé
para vencer
a íngreme subida
que leva ao
Cemitério São José.
Visitar os
que foram dessa vida,
lá em
Pedreiras, realmente é
tarefa dura,
mas já convertida
por sua
gente em profissão de fé.
E sempre
está muito feliz consigo
quem vai
orar naquele campo santo
por um
parente ou por algum amigo.
Porque,
nesses momentos de saudade,
do alto, ele
também desfruta o encanto
de todo o
panorama da cidade!
|
7
PEDIDO
Embora
ainda moço, lhe confio
A
vida. E algumas vezes, absorto,
Pensando
em nós, eu sinto um calafrio
A
perturbar-me o íntimo conforto.
Mas
se você me achar o corpo frio,
Que
isso não lhe cause desconforto!
Aceite
simplesmente o desafio
De
acreditar que nunca estarei morto.
Feche-me
os olhos, se quiser, mas corte
Do
funeral os rituais diversos
Que,
no meu caso, não farão sentido.
Pois
já venho matando a minha morte,
Enquanto
fico eternizando, em versos,
O
que, junto, nós dois temos vivido.
|
8
A COR DO AMOR
No
ateliê, por toda a madrugada,
Frente
à tela, um romântico pintor
Várias
vezes tentou pintar o amor,
Sem
descobrir a cor apropriada.
Mas
viu a chave da questão guardada
No
nexo entre sentimento e cor,
Qual
lhe mostrara, em tom de pensador,
Um
poeta, boêmio de calçada.
Ora,
das emoções que o homem sente,
Tem
cada uma a cor correspondente
Na
visão colorida dos pintores.
As
emoções, no amor, são a constante.
É
sua cor, portanto, a resultante
Da
mistura de todas essas cores.
|
9
LEMBRANÇAS
DE YASMIM
Dentro
das veias, um calor intenso
Aquece
o sangue que circula em mim,
Quando,
em divagações noturnas, penso
Em
meu primeiro encontro com Yasmim.
E
assim pensando, vou perdendo o senso
Da
realidade... Volto a ser, enfim,
O
jovem que lhe explora o corpo tenso
De
virgem, sobre a colcha de cetim.
Vejo
expresso em seu rosto cor-de-rosa,
Após
vários orgasmos, o sinal
De
satisfação plena e verdadeira...
E
ela agradece a forma carinhosa
Com
que eu a fiz sentir que o amor carnal
Causa
prazer também na vez primeira.
|
10
JÔ
Mesmo
que os muitos quilos em gordura
Chegassem
perto de uma tonelada,
Não
representariam quase nada
Ante
o peso, em talento, da figura.
Jô
é mestre na arte que mistura
Inteligência
e humor. Por isso cada
Programa
que conduz na madrugada
Faz
de mim um refém, enquanto dura.
Dou-lhe
tanta atenção que, sempre, quando
A
mulher nesse horário me reclama
Carinhos,
digo que não quero acordo.
E
por mais que ela fique me instigando,
Só
consegue levar-me para a cama
Depois
de eu receber “BEIJOS DO GORDO”.
|
© Lago,
Kleber. Sonetos que não estão no Caderno. São Luís: KCL, 2010.
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