quarta-feira, 8 de agosto de 2018

SONETOS DE ONTEM E DE HOJE PARA SEMPRE V - Textos do livro Sonetos que não estão no Caderno (parte 1)



PREFÁCIO (excertos do)
                                                                                       Cláudia Arôso (*)

 [...] “Há doze anos acompanho a vida e a obra poética de Kleber Lago e posso dizer que escrever poemas é um prazer para ele, e como o gosto pelo soneto lhe apareceu ainda na adolescência, deduzo que o prazer é maior quando compõe sonetos. E isso ele faz, revelando excelência na técnica de compor. Mas me parece mesmo que ideia, métrica, ritmo e rima saem de sua mente espontaneamente, porque ao se sentar ele para escrever um soneto, este fica pronto em poucos minutos.
Basta um pouco de atenção para se notar que suas composições trazem uniformidade métrica nos versos: se o primeiro é decassílabo, todos os demais o são. Assim também ocorre no caso de versos hendecassílabos e de versos dodecassílabos (alexandrinos). O apoio rítmico, responsável pela musicalidade, obedece, com o possível rigor, ao convencionado nas normas de versificação. Observa-se ainda que Kleber nunca usa rimas assonantes (empírico/espírito, tarde/parte) e só se serve de rimas imperfeitas (véus/meus, fosse/posse, ser/mulher, estrela/amarela), quando as terminações das palavras rimadas guardem forte identidade sônica, a exemplo de fosse/doce, mais/paz, nus/azuis etc.
Kleber, além de dominar as técnicas de versificação, tem seu próprio estilo, bom conhecimento gramatical e facilidade para discorrer sobre diversos assuntos. Tudo isso se alia a um extraordinário talento para sonetear ou versejar em qualquer outra estrutura poemática, permitindo-lhe aplicar, no curso da composição, a dose de lirismo apropriada e capaz de revelar poesia, até nos casos em que desenvolve temas que nada parecem conter de poético.” [...]
                                                  
 (*) Cláudia Maria Arôso Mendes Barbosa  é
 Licenciada em Letras - com  pós-graduação
 em  Docência Superior e em Gestão Pública.

1
                 ÁGUA SAGRADA

Da “Pedra Grande” avistam-se as primeiras
Curvas por onde serpenteia o rio
De água barrenta, num correr macio
Entre pés de criuli e gameleiras.

Dali até o porto de Pedreiras,
Ele desce quilômetros a fio,
Chamando o canoeiro a desafio
Só em duas pequenas corredeiras.

É o velho Mearim, em cuja água
Tantas vezes lavei o corpo e a alma,
Afogando tristeza, dor e mágoa.

Água sacramental do meu batismo,
Em que eu também, de volta à vida calma
Da minha terra amada, hoje me crismo.

2
                 BEIJOS

De repente me vejo (adolescente)
Num dos ensaios de carinho e amor
Do namoro entre nós, mais que inocente
E que a ninguém podíamos expor.

No silêncio dos cantos mais escuros
E ermos dos jardins já ensombrados,
Teus beijos eram doces e tão puros
Quanto o que tinham de desajeitados.

Mais tarde, muitos beijos sensuais
De outras bocas provei... E hoje te digo
Que muitos deles eu não lembro mais.

Porém, os que trocamos no começo
Daquele nosso namorico antigo,
Esses, juro por Deus, que nunca esqueço.


3
                  MARCAS

Se é isso enigma, não me consome.
Eu nunca quis saber por que razão
Trago a primeira letra do meu nome,
Em vez de um “M”, na palma da mão.

É que, além dessa marca que não some,
Há, em mim, outras fora de padrão.
Por exemplo: ironizo o frio e a fome,
Quando me encontro sem abrigo e pão.

Não choro os sonhos meus que não dão certo,
Nem meus frutos que, em tempo de colheita,
Murcham bem antes que eu lhes chegue perto.

Se minha mão não colhe o que semeia,
Em regra, meu estômago rejeita
O que de graça vem de roça alheia.

4
               PASSAGEM

Não sei se o tempo é que passa por mim
Ou se sou eu que pelo tempo passo.
Dessa passagem, sei que um só pedaço
Não há, que eu tenha achado árduo ou ruim.

Qual dos dois passa não importa... Assim,
Tento ocupar na vida o meu espaço,
Em sua plenitude, e nada faço
Em busca de razões para o que vim.

Se foi para viver, então eu vivo.
E apesar de sujeito a sofrimento,
Na alegria é que vejo algum motivo.

Gosto do riso. Chorarei, no entanto,
Passando o tempo ou eu, se algum momento
Venha exigir de mim tristeza e pranto.

5
              DOIS MOMENTOS

Fica a terra rachada e empobrecida
Durante a seca que o sertão deplora.
Parece até que está morrendo a vida
Em redutos humanos, fauna e flora.

À Santa Mãe de Deus Compadecida,
Em procissão, o povo aflito implora
Que traga a chuva desaparecida,
Só que a graça, se chega, é com demora...

Mas quando chega, deixa logo em cio
A terra que, emprenhando, dá certeza
De devolver, no parto, à natureza

O quanto ela perdeu no longo estio,
Com retorno de todos os primores,
Em forma de verdor, frutos e flores.

6
            CEMITÉRIO SÃO JOSÉ

Uma ladeira em curva e outra em seguida
já deixam morto quem caminha a pé
para vencer a íngreme subida
que leva ao Cemitério São José.

Visitar os que foram dessa vida,
lá em Pedreiras, realmente é
tarefa dura, mas já convertida
por sua gente em profissão de fé.

E sempre está muito feliz consigo
quem vai orar naquele campo santo
por um parente ou por algum amigo.

Porque, nesses momentos de saudade,
do alto, ele também desfruta o encanto
de todo o panorama da cidade!


7
                 PEDIDO

Embora ainda moço, lhe confio
A vida. E algumas vezes, absorto,
Pensando em nós, eu sinto um calafrio
A perturbar-me o íntimo conforto.

Mas se você me achar o corpo frio,
Que isso não lhe cause desconforto!
Aceite simplesmente o desafio
De acreditar que nunca estarei morto.

Feche-me os olhos, se quiser, mas corte
Do funeral os rituais diversos
Que, no meu caso, não farão sentido.

Pois já venho matando a minha morte,
Enquanto fico eternizando, em versos,
O que, junto, nós dois temos vivido.

8
           A COR DO AMOR

No ateliê, por toda a madrugada,
Frente à tela, um romântico pintor
Várias vezes tentou pintar o amor,
Sem descobrir a cor apropriada.

Mas viu a chave da questão guardada
No nexo entre sentimento e cor,
Qual lhe mostrara, em tom de pensador,
Um poeta, boêmio de calçada.

Ora, das emoções que o homem sente,
Tem cada uma a cor correspondente
Na visão colorida dos pintores.

As emoções, no amor, são a constante.
É sua cor, portanto, a resultante
Da mistura de todas essas cores.


9
       LEMBRANÇAS DE YASMIM

Dentro das veias, um calor intenso
Aquece o sangue que circula em mim,
Quando, em divagações noturnas, penso
Em meu primeiro encontro com Yasmim.

E assim pensando, vou perdendo o senso
Da realidade... Volto a ser, enfim,
O jovem que lhe explora o corpo tenso
De virgem, sobre a colcha de cetim.

Vejo expresso em seu rosto cor-de-rosa,
Após vários orgasmos, o sinal
De satisfação plena e verdadeira...

E ela agradece a forma carinhosa
Com que eu a fiz sentir que o amor carnal
Causa prazer também na vez primeira.

10
                        

Mesmo que os muitos quilos em gordura
Chegassem perto de uma tonelada,
Não representariam quase nada
Ante o peso, em talento, da figura.

Jô é mestre na arte que mistura
Inteligência e humor. Por isso cada
Programa que conduz na madrugada
Faz de mim um refém, enquanto dura.

Dou-lhe tanta atenção que, sempre, quando
A mulher nesse horário me reclama
Carinhos, digo que não quero acordo.

E por mais que ela fique me instigando,
Só consegue levar-me para a cama
Depois de eu receber “BEIJOS DO GORDO”.

© Lago, Kleber. Sonetos que não estão no Caderno. São Luís: KCL, 2010.

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