domingo, 10 de junho de 2012

HAICAIS PARA SEMPRE

(Imagem Internet - alexandralopes.blog.pt) 


Repito que foi indiretamente pelas mãos de um poeta baiano, Abel Pereira, que cheguei ao haicai. A partir de então procurei conhecer um pouco de sua história e encontrei, em minhas buscas, textos isolados e livros de haicaistas como Guilherme de Almeida, Siqueira Júnior, Osório Dutra e outros. Mas me debrucei com maior atenção sobre o trabalho dos poetas baianos Oldegar Vieira, Gil Nunesmaia e o citado Abel, os quais, além de terem emprestado seus talentos ao cultivo do haicai no Brasil, contribuíram de maneira significativa para consolidar a sua nacionalização e foram os principais responsáveis pelo que costumo chamar de nordestização dessa forma sintética e envolvente de expressão poética.
Por culpa desses predecessores baianos, eu, nordestino do Maranhão, estou envolvido nisso desde os primeiros anos da década de 60, quando ainda estudava no Rio de Janeiro. Mas somente depois de 1964, tendo voltado a residir em minha cidade natal (Pedreiras-MA), comecei a perceber que escrever haicais me era tão prazeroso quanto lê-los. E como escrevo por prazer, desde então componho os “meus”, paralelamente a outros poemas que ao longo desses anos venho fazendo, nos poucos momentos em que visto a minha fantasia de poeta.
Reitero aquela mesma assertiva de que não me considero verdadeiro haicaísta; sim, um artesão do verso. Em relação a haicais, elegi o tipo de estrutura a utilizar, mas não faço qualquer restrição quanto a espaços, fenômenos, fatos, cenas ou sentimentos que me motivem a escrevê-los.
Não sei precisar quantos já escrevi, pois, fora os que publiquei até agora, em folhetos, em livros e neste blog, ainda existem muitos deles, desorganizadamente guardados em uma pasta, para onde destino meus manuscritos e de onde resgatei os que vão fazer parte desta nova mostra:

   SIMPLICIDADE
   Na expressão singela
fica a poesia mais rica,
   mais doce e mais bela.

   COMBINAÇÃO
   Borboletas, flores:
receita da mais perfeita
   mistura de cores.

   PELADA
   Ao calor que arde,
a  garotada,  suada,
   chuta o solda tarde.

   RESSURREIÇÃO
   Folha ressequida
cai e, dentro de um haicai,
   reencontra vida.

   LÍRICO
   Quando o momento
desliza ao sabor da brisa
   de algum sentimento.

   CEGO
   Ao falar de estrelas,
diz que elas no céu são belas,
   embora sem vê-las.

   FELICIDADE
   Só é realmente
feliz quem assim se diz
   porque assim se sente.

HORIZONTE
Vive-se a ilusão
de olhar o céu se curvar
    e beijar o chão.

   REATIVAÇÃO
   Novamente sinto,
na cama, acender-se a chama
   do amor quase extinto.
   BRINCADEIRA
   Escondo-me aqui...
Ele, esperto, pousa perto
   E diz: - BEM-TE-VI!

   ECLOSÃO
   Explode a emoção
em mim, quando no jardim   
   se abre um botão.

   AURORA SERTANEJA
   Bem antes até
que aponte o sol no horizonte
   já cheira a café.

   JOVIDOSIDADE
   Ritmos de festa
me movem. Com alma jovem
   vivo o que me resta.

   GURIATÃ
   Tão pequenininho...
Mas quanto encanto, no canto
   desse passarinho!

   FIM DE SECA
   O céu mal goteja,
e a vida volta à sofrida
   terra sertaneja.

   SETENÇA
   Pelos longos anos
nessa arte culpo, em parte,
   os mestres baianos.

   CHUVISCO COM SOL
   É lindo demais,
quando o céu fica pingando
   lúcidos cristais!

   NO INTERIOR
   Fez-se trivial
pôr, como despertador,
   galo no quintal.
   IMUTABILIDADE
   O tempo que passa
por Vera, nunca lhe altera 
   a beleza e a graça.

   MARIPOSAS
   Invadem as casas
e, em frente à luz que as seduz,
   vão perdendo as asas.

   ADVERTÊNCIA
   Mão que com carinho
cuida bem de flor, também
   se fura em espinho.

   AMANHECER
   Eis que sol, contente,
Inicia  a  travessia
   em rumo ao poente.

   NOITE
   Depois do arrebol,
logo ela chega, aconchega
   e adormenta o sol.

   INDAGAÇÃO
   O que será isso,
a pôr gelo em nosso amor,
   azar ou feitiço?

   MENSAGEM
   Mesmo frase breve
faz-me alegre, traz-me  paz,
   se és tu quem me escreve.

   SAMBA NO PÉ
   Gingando com graça
uma mulata arrebata
   os olhos da praça.

   INSPIRAÇÃO
   Na tarde que vai
caindo, o momento lindo.
   sugere um haicai.
 
 
E isso aí, caros leitores. Para mim, compor haicais é uma satisfação pessoal; publicá-los, uma forma de homenagear seus cultivadores, pioneiros em solo pátrio, os que trabalharam pela sua inserção em nossa literatura e, em especial, os saudosos poetas baianos ABEL, OLDEGAR e NUNESMAIA, que na glória de sua eternidade, devem sorrir da culpa que lhes atribuo por estar eu aqui escrevendo medíocres HAICAIS que, decerto, não ficarão PARA SEMPRE, como os que eles nos deixaram.
Kleber Lago