Repito que foi
indiretamente pelas mãos de um poeta baiano, Abel Pereira, que cheguei ao
haicai. A partir de então procurei conhecer um pouco de sua história e encontrei,
em minhas buscas, textos isolados e livros de haicaistas como Guilherme de
Almeida, Siqueira Júnior, Osório Dutra e outros. Mas me debrucei com maior
atenção sobre o trabalho dos poetas baianos Oldegar Vieira, Gil Nunesmaia e o
citado Abel, os quais, além de terem emprestado seus talentos ao cultivo do
haicai no Brasil, contribuíram de maneira significativa para consolidar a sua
nacionalização e foram os principais responsáveis pelo que costumo chamar de nordestização dessa forma sintética e
envolvente de expressão poética.
Por culpa
desses predecessores baianos, eu, nordestino do Maranhão, estou envolvido nisso
desde os primeiros anos da década de 60, quando ainda estudava no Rio de
Janeiro. Mas somente depois de 1964, tendo voltado a residir em minha cidade
natal (Pedreiras-MA), comecei a perceber que escrever haicais me era tão
prazeroso quanto lê-los. E como escrevo por prazer, desde então componho os “meus”, paralelamente a outros poemas
que ao longo desses anos venho fazendo, nos poucos momentos em que visto a
minha fantasia de poeta.
Reitero aquela
mesma assertiva de que não me considero verdadeiro haicaísta; sim, um artesão
do verso. Em relação a haicais, elegi o tipo de estrutura a utilizar, mas não
faço qualquer restrição quanto a espaços, fenômenos, fatos, cenas ou sentimentos
que me motivem a escrevê-los.
Não sei
precisar quantos já escrevi, pois, fora os que publiquei até agora, em
folhetos, em livros e neste blog, ainda existem muitos deles,
desorganizadamente guardados em uma pasta, para onde destino meus manuscritos e
de onde resgatei os que vão fazer parte desta nova mostra:
SIMPLICIDADE
Na
expressão singela
fica a poesia mais rica,
mais doce e mais bela.
COMBINAÇÃO
Borboletas, flores:
receita da mais perfeita
mistura de cores.
PELADA
Ao
calor que arde,
a
garotada, suada,
chuta
o solda tarde.
RESSURREIÇÃO
Folha ressequida
cai e, dentro de um haicai,
reencontra vida.
LÍRICO
Quando o momento
desliza ao sabor da brisa
de
algum sentimento.
CEGO
Ao
falar de estrelas,
diz que elas no céu são belas,
embora
sem vê-las.
FELICIDADE
Só
é realmente
feliz quem assim se diz
porque assim se sente.
HORIZONTE
Vive-se a ilusão
de olhar o céu se curvar
e
beijar o chão.
REATIVAÇÃO
Novamente sinto,
na cama, acender-se
a chama
do
amor quase extinto.
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BRINCADEIRA
Escondo-me aqui...
Ele,
esperto, pousa perto
E diz:
- BEM-TE-VI!
ECLOSÃO
Explode a emoção
em mim, quando no jardim
se abre um botão.
AURORA SERTANEJA
Bem antes até
que
aponte o sol no horizonte
já cheira a café.
JOVIDOSIDADE
Ritmos de festa
me
movem. Com alma jovem
vivo o que me resta.
GURIATÃ
Tão pequenininho...
Mas quanto encanto, no canto
desse passarinho!
FIM DE SECA
O céu mal goteja,
e
a vida volta à sofrida
terra sertaneja.
SETENÇA
Pelos longos anos
nessa
arte culpo, em parte,
os mestres baianos.
CHUVISCO COM SOL
É lindo demais,
quando
o céu fica pingando
lúcidos cristais!
NO
INTERIOR
Fez-se trivial
pôr,
como despertador,
galo no quintal.
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IMUTABILIDADE
O tempo que passa
por
Vera, nunca lhe altera
a beleza e a graça.
MARIPOSAS
Invadem as casas
e, em frente à luz que as seduz,
vão perdendo as asas.
ADVERTÊNCIA
Mão que com carinho
cuida
bem de flor, também
se fura em espinho.
AMANHECER
Eis que sol, contente,
Inicia a
travessia
em rumo ao poente.
NOITE
Depois do arrebol,
logo
ela chega, aconchega
e adormenta o sol.
INDAGAÇÃO
O que será isso,
a
pôr gelo em nosso amor,
azar ou feitiço?
MENSAGEM
Mesmo frase breve
faz-me alegre, traz-me paz,
se és tu quem me escreve.
SAMBA
NO PÉ
Gingando com graça
uma
mulata arrebata
os olhos da praça.
INSPIRAÇÃO
Na tarde que vai
caindo,
o momento lindo.
sugere um haicai.
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E isso aí,
caros leitores. Para mim, compor haicais é uma satisfação pessoal; publicá-los,
uma forma de homenagear seus cultivadores, pioneiros em solo pátrio, os que
trabalharam pela sua inserção em nossa literatura e, em especial, os saudosos
poetas baianos ABEL, OLDEGAR e NUNESMAIA, que na glória de sua eternidade,
devem sorrir da culpa que lhes atribuo por estar eu aqui escrevendo medíocres HAICAIS
que, decerto, não ficarão PARA SEMPRE, como os que eles nos deixaram.
Kleber Lago
Deixe de modéstia, moço. Entre sonetistas e haicaístas você é um dos melhores que temos.
ResponderExcluirJ. MARTINS
Seus haicais são simplesmente maravilhosos!
ResponderExcluirMÁXIMO FIGUEIRA
Não conhecia esse tipo de poesia, obrigado professor por mostra mais esse lado da vida.
ResponderExcluirMr. Heel, sou eu quem agradece sua constância em acompanhar essas coisas que escrevo em diversas estruturas poemáticas, inclusive a do haicai, de origem nipônica, que é a mais sintética das formas de expressão poética. É um prazer, para mim, poder dividir com os outros emoções e sentimentos que não são apenas de quem escreve os poemas, mas também de quem passa a senti-los por meio da leitura.
ExcluirI love haiku. Yours are beautiful, fascinating!
ResponderExcluirHanna Longfield
(New Orleans)