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Meses atrás, Ana Neres
Pessoa Lima Gois, inspirada poeta e minha amiga, enviou-me uma mensagem,
manifestando seu interesse por um exemplar de Divagações da Juventude. Logo tive de explicar-lhe que se tratava
apenas de título não editado, de uma minicoletânea poética que organizei entre
1964 e 1965.
Na verdade, os poemas que a compunham já são
conhecidos: uns apareceram em jornais e, mais recentemente, no Facebook; e outros
integraram livros que publiquei nessas duas últimas décadas. Mas como tais
publicações foram feitas de forma esparsa, decidi satisfazer o desejo de minha
amiga Ana Neres e estou reunindo, numa única postagem, todas as peças com que montei
aquela inédita minicoletânea.
DIVAGADOR
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Quando me
vejo só comigo mesmo,
Espraio-me em
divagar
Por entre sentimentos Que me invadem a alma. Desaparece aquele que fica juntando Pedaços do passado e do presente Para justificar quem sou E dando linha a pipas de sonho |
Tentando alcançar
Um horizonte qualquer. Sou o outro que mora em mim:
O ente divagante do abstrato,
O devaneador que busca o belo No tudo ou no nada Só para poder dizer ao mundo Que a poesia existe. |
ARACHNE
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Decerto, não
me cuidei
Em meu modo inocente de crer. E crendo, me encantei
Com as tuas
mentiras
E me deixei prender em tuas teias, |
Onde me mantenho impotente
Para impedir que minha alma
Tenha, todos os dias, Um pouco dela sugada Por essa tua fome de domínio. |
CAMINHADA
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Vida, constante caminhar:
Ir, voltar, cair, levantar, continuar...
Pouco importa
Aonde os sonhos levem,
Nem a aspereza das jornadas,
Nem a extensão dos caminhos...
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É deixar os pés seguirem,
Levados pela esperança
De chegar até lá...
Valerá a pena,
Embora nem sempre se atinja
O alvo desejado.
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DEPENDÊNCIA
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Bem que
tentei resistir,
Mas a força hipnótica Desse teu feitiço Neutralizou minha resistência. Conseguiste deixar-me A mercê do que querias |
E, através de
teus beijos,
Foste inoculando em mim O ópio de teu amor Até me tornares Dependente irrecuperável De ti. |
FRUSTRAÇÃO
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Não me
satisfizeram
Frases suavemente inexpressivas, Suspiros sem emoção, Carinhos e beijos Sem a fogosa espontaneidade Dos desejos incontidos. Frustrei-me, pois eu queria de ti Sinceridade nas palavras, |
Avidez nos suspiros,
Calor nas carícias... Enfim, a cumplicidade Que eterniza os instantes, Sublima a relação a dois E não nos deixa perceber Que o tempo passa. |
ANTÍDOTO
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Não sei se
devo ir
Ou se devo ficar, Nem como voltaria Se porventura fosse. Partida sugere saudade; Regresso, se não traz ventura, |
Traz
desilusão;
Permanência entedia... Quero ir, mas decido ficar. E, enquanto vou ficando, Procuro neutralizar o tédio Com doses repetidas de alegria. |
VIAGENS
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Eu só guardo beleza das coisas que leio. Gosto de ler mulheres porque elas pavimentam estradas de palavras, com a delicadeza de suas almas. Viajando, subo aos Andes, |
desço com Albertina e Gabriela
e me misturo às outras:
Clarice me deixa claro o entender dos prazeres, Cecília me banha de ternura, enquanto Florbela me Espanca, sem que sua surra de sentimentos me maltrate.. |
HISTÓRIA
DE AMOR
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Um "toc-toc" de saltos Quebrando o sossego da rua, E um vulto feminino passando Entre as sombras da noite. Depois, a fantasia
De tê-la junto de mim,
O silêncio me dizendo |
Palavras que eu imaginava
Sussurradas por ela. Conclusão da história: Aquele vulto é, hoje, a mulher que eu amo E em cuja boca ganharam som de verdade Aquelas palavras que ouvi do silêncio... |
FLORES
E BEIJOS
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As flores que eu te ofertava
Tu as punha
num jarro,
E elas cedo
murchavam.
Os beijos que
tu me davas
Eu ia
guardado na lembrança.
Guardei
tantos,
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Que de vez em
quando
Alguns deles
escapam de lá
E vêm
devolver o seu sabor
Aos meus
lábios,
Provocando-me
a mesma sensação
De quando os
provei.
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SUPOSIÇÃO
E CERTEZA
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Militares me perseguem,
Meretrizes me
consolam.
Cada qual no
seu papel.
Para os
“filhos da pátria”
Sou um “filho
da puta”.
Para as
meretrizes
|
Sou um “pai”
provedor.
Eles imaginam que me perseguem
Em defesa da
“mãe”.
Elas sabem que me consolam
Em defesa do
pão.
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EMBRIAGANTES
Deus não cria nada à toa
E eis que, criando a mulher, Pôs um incitante qualquer Nesse tipo de pessoa: Algo que o homem embriaga, Tal como quando ele traga Um copo de pinga boa. |
LIÇÃO
Vivo a vida intensamente
Amando com exagero.
Faço do amor o tempero
Que durante a humana lida
Torna a existência gostosa,
Pois bem aprendi que a gente
Só leva mesmo da vida
O que da vida se goza.
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DETALHES
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Exposto a tuas carícias,
sinto-me como
que tocado
pelas mãos da
própria volúpia.
Quando nossas
carnes se conjugam,
sou vulcão
que explode
em lavas de
prazer inexprimível,
para depois lassear
a teu lado
esperando uma
nova explosão.
Não importa o
que és;
|
o que
interessa é estar contigo,
ter
plenamente satisfeitos
todos os
desejos que te confio.
Sobre o
criado-mudo,
a estatueta
de louça,
a chama do
candeeiro a querosene,
a bacia, a jarra de água
e as cédulas
que deixo ao ir-me embora
são meros
detalhes
na história
dessa nossa relação.
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REGRESSO
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Não me
pergunte
por que fugi de novo. Não me pergunte aonde fui, por que voltei nem o que fiz pelos caminhos de ida e volta. Não me diga que minha ausência provocou saudades, também não fale que lhe fiz falta |
enquanto estive fora;
pense apenas que voltei para ficar.
Aperte-me contra o peito
com ternura, sem cobrança, e deixe entrar mais uma vez em sua vida o homem que a ama e cujo tempo de fuga terminou. |
A
LUA E MINHA PRIMA
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Na calçada de cimento, Muito á vontade, a meu gosto, Fiquei bom tempo sentado, A esperar pelo momento De a lua cheia de agosto Surgir no céu estrelado. Lá, de frente para mim, Minha prima estava bela... E eu nunca notara antes Ser ela tão linda assim, |
Tampouco que os olhos dela
Eram demais fascinantes! Preso aos encantos da prima, Alma leve e embevecida, Nem pensei em lamentar Não ter visto a lua, em luz, Quando surgiu lá em cima... Melhor foi vê-la brilhar, Duplicada, refletida Em dois olhinhos azuis! |
OS
DOIS LADOS
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Sempre tive
meus dois lados
Claramente definidos. Um deles é o do tipo de pessoa Que a sociedade aplaude: O cultivador de valores, Cumpridor de convenções, De passos vigiados, Cuja vida não lhe pertence de todo E que tem de manter sempre Uma mão pesada e forte Para poder impor-se Como deve mostrar-se desse lado. |
O outro lado
É o do homem liberado, O do ser substantivo, De gênero oposto ao da mulher, Que não liga a preceitos Nem tem preconceitos, E que só precisa preservar Uma mão leve e macia Para poder acariciar o corpo De quem põe a alma a seus cuidados. |
O
IGNORANTE, O SÁBIO E O POETA
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Disse Vieira, num de seus Sermões, que o ignorante crê que o céu é azul, mas que o sábio tem certeza de que o que vemos azul, além de não ser azul, também não é céu. A verdade do ignorante está no que a vista lhe mostra, e a verdade do sábio está no que ele é capaz de provar... Para o poeta, isso pouco importa, pois o poeta não olha com os olhos do rosto, não procura verdades, |
nem precisa provar nada.
Ele é, simplesmente, um modelador de sentimentos e emoções, um revelador do belo abstrato que só se apresenta aos olhos da alma. Por isso é que o poeta pode ver e mostrar a lua cheia na forma circular de um quadro argênteo, com o espectro de São Jorge abatendo o dragão, e preso na abóbada AZUL do CÉU salpicado de milhões de pontos cintilantes de luz. |
ESTESIA
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O brilho do sol nas manhãs do estio,
a limpidez do céu estrelejado,
o clarão do luar
prateando os caminhos,
o alvor dos lírios
dançando ao sopro da brisa,
a sinfonia dos pássaros nas matas,
o adejo multicor das borboletas,
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o sorriso enigmático da Mona Lisa,
a doce expressão dos querubins barrocos,
a ternura das mães amamentando...
Queria tudo isso em ti,
para que eu pudesse sentir-me
o homem mais completo
na percepção do belo.
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Agradeço a atenção dos
leitores com um grande abraço. Até a próxima postagem.
Kleber Lago
Falar de Kleber Lago é fácil... Basta dizer que Kleber Lago é Kleber Lago... Ponto final. Não se pode traçar parâmetro com nenhum outro poeta. Seu estilo é inconfundível. É o poeta do amor em todas suas facetas. Amor, enfim... Para apresentar Kleber, basta deixar que ele se apresente. Não vamos perder mais tempo, e mergulhar nas maravilhas de sua autoria.
ResponderExcluirROSÁRIO TORRES
Na verdade, se nos é possível o prazer de ler o que Kleber Lago escreve, por que falar nele ou dele?
ResponderExcluirMáximo Figueira
Poeta, agradeço por me atender, já estive aqui várias vezes mas o destino me impôs que só deixasse rastros agora... Saiba que me sinto a pedreirense que não sou ao voar nas asas dos versos do povo dessa terra que divide com a minha o mesmo rio... e porque não a mesma porção poética... que nos faz debruçarmos sobre a janela da vida e transformá-la em poemas a medida em que nos damos à correnteza das mil expressões líricas que só concebe quem é batizado por nascimento nas águas do Mearim... Saiba que és referência... "Ninguém canta Pedreiras como canta Kleber Lago!"
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