Hoje transcrevo, do
poema Os Loucos de Minha Terra, o
capítulo dedicado a um dos mais queridos personagens que se integraram ao
folclore pedreirense. Antes, porém, devo fazer algumas notas de esclarecimento
que, decerto, ajudarão o leitor a conhecer melhor um ser humano de alma pura
que, fugindo aos padrões de comportamento tidos por normais, conseguiu, por quase
três décadas, emprestar mais graça às ruas de nossa cidade, com a inocente
espontaneidade de seus arroubos de alegria.
DE
ARROUBA – Como era conhecido
o ferreiro que também tinha sido lavrador e cujo nome verdadeiro nunca cogitei conhecer.
Tal apelido não tem nenhuma relação com ARROBA (peso correspondente a 15
quilos). Inicialmente era DE ARROMBA (termo popular equivalente a grandioso,
excelente), mas ele próprio fazia questão de trocar o “m” por um “u”. E, assim,
de boca em boca, foi se criando uma espécie de derivação regressiva do verbo
ARROUBAR (extasiar, deslumbrar) para assumir definitivamente a forma DE
ARROUBA.
GUMERCINDO – Referência a Gumercindo Leandro, à
época, gerente local do Armazém Paraíba.
BASE
DO CAMELO – O bar de
Isolete Camelo, no Bairro Jerusalém (Trizidela).
JOÃO
CLAUDINO – Dirigente
do Grupo Claudino, ao qual pertence o Armazém Paraíba.
EMBIRIBA – Pequena fava de gosto meio amargoso,
utilizada para fazer chá e que se põe em infusão na aguardente, para
alterar-lhe o sabor.
XIII – De
Arrouba
Tinha
sido lavrador
austero
e trabalhador.
Só
que, ao vir para a cidade,
gostou
muito da cachaça
e
aprendeu a fazer graça
com
certa facilidade.
Conseguia
fazer rir
a
todos, mas sem ferir
sentimentos
de ninguém.
E,
por suas brincadeiras,
a
cidade de Pedreiras
passou
a querer-lhe bem.
Lembro-me
de cada passo
da
história desse “palhaço”
que,
enquanto pinga bebia,
meio
artista e meio louco,
ia
enchendo pouco a pouco
nossa
terra de alegria.
Voltando
à primeira vez
em
que o vi, na nitidez
da
memória posso vê-lo
de
novo, quase caindo,
ao
lado de Gumercindo,
lá
na Base
do Camelo.
Gumercindo
lhe pagava
uma
dose, ele a tomava
e,
após a cuspida fora,
dizia: – Alô! Tudo em riba?
Então vá ao Paraíba,
que o baratal tá na hora...
Nascia
uma relação
entre
a empresa e o beberrão
alegre e meio sem tino
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que, sem outro plano em
vista,
se tornou “propagandista”
da firma do João
Claudino.
Macacão estilizado,
botinas, rosto pintado
e megafone na mão,
De Arrouba,
cheio de afã
saía toda manhã
para cumprir a missão.
Da Trizidela ao Engenho,
na
ida, um bom desempenho.
Entretanto,
quando vinha,
cambaleava
e pendia
para
os lados, parecia
que
a roupa andava sozinha.
Nesse
quadro hilariante,
embora
cambaleante,
arrotando
a embiriba
e
já ao sabor do vento,
não
parava o só momento
de
falar no Paraíba.
Dizem
que essa era a razão
de,
às vezes, um avião
aterrissar
de surpresa
em
Pedreiras e levar
De Arrouba para alegrar
algumas
festas da empresa.
Ele,
assim, de voo em voo,
Sua
alegria levou
À
Região Tocantina,
A
cidades do Munim,
A
outras do Mearim
E
até mesmo a Teresina.
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Porém,
somente Pedreiras
tinha
as imagens inteiras
das
cenas cheias de graça
da
história do nosso artista
e
grande “propagandista”
movimentado a cachaça.
Apenas nossa cidade
conheceu toda a bondade
de um ser de índole mansa
que, apesar da embriaguez,
nunca destratou nem fez
mal ou medo a uma criança.
Sua alegria, tão linda!
A pureza mais ainda!
Sem as suas brincadeiras
tudo era triste e, na
calma,
ficava um pouco sem alma
a vida em nossa Pedreiras.
Via-se nele, de fato,
fidelíssimo retrato
de alguém que trouxe poesia
de um diferente universo.
Não expressa pelo verso,
mas naquilo que fazia.
De Arrouba
viveu bebendo.
Ou melhor, bebeu vivendo
do jeito que sempre quis:
só para fazer sorrir...
Nunca precisou sentir
Se ele próprio era feliz.
[LAGO,
Kleber. Os Loucos de minha Terra. São Luís: KCL, 2007]
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Aos leitores, os meus
agradecimentos pela atenção que têm dispensado a este blog. Até breve!
já li este livro todo e acho fascinante!!pena que na nossa cidade não tem um acervo cultural onde pudesse ser disponibilizado toda história da nossa grandiosa cultura. enfim.
ResponderExcluirEste poema, pela beleza da história e pelo nível da línguagem utilizada, mais uma vez atesta que o bom artista da palavra que se serve do verso não precisa se desviar das normas gramaticais, mesmo para tratar de motivos populares. Parabéns, poeta!
ResponderExcluirProfª Rita