terça-feira, 24 de julho de 2012

DE ARROUBA (de os Loucos de Minha Terra)



Hoje transcrevo, do poema Os Loucos de Minha Terra, o capítulo dedicado a um dos mais queridos personagens que se integraram ao folclore pedreirense. Antes, porém, devo fazer algumas notas de esclarecimento que, decerto, ajudarão o leitor a conhecer melhor um ser humano de alma pura que, fugindo aos padrões de comportamento tidos por normais, conseguiu, por quase três décadas, emprestar mais graça às ruas de nossa cidade, com a inocente espontaneidade de seus arroubos de alegria.
DE ARROUBA – Como era conhecido o ferreiro que também tinha sido lavrador e cujo nome verdadeiro nunca cogitei conhecer. Tal apelido não tem nenhuma relação com ARROBA (peso correspondente a 15 quilos). Inicialmente era DE ARROMBA (termo popular equivalente a grandioso, excelente), mas ele próprio fazia questão de trocar o “m” por um “u”. E, assim, de boca em boca, foi se criando uma espécie de derivação regressiva do verbo ARROUBAR (extasiar, deslumbrar) para assumir definitivamente a forma DE ARROUBA.
GUMERCINDO – Referência a Gumercindo Leandro, à época, gerente local do Armazém Paraíba.
BASE DO CAMELO – O bar de Isolete Camelo, no Bairro Jerusalém (Trizidela).
JOÃO CLAUDINO – Dirigente do Grupo Claudino, ao qual pertence o Armazém Paraíba.
EMBIRIBA – Pequena fava de gosto meio amargoso, utilizada para fazer chá e que se põe em infusão na aguardente, para alterar-lhe o sabor.      

XIII – De Arrouba
 
Tinha sido lavrador
austero e trabalhador.
Só que, ao vir para a cidade,
gostou muito da cachaça
e aprendeu a fazer graça
com certa facilidade.

Conseguia fazer rir
a todos, mas sem ferir
sentimentos de ninguém.
E, por suas brincadeiras,
a cidade de Pedreiras
passou a querer-lhe bem.

Lembro-me de cada passo
da história desse “palhaço”
que, enquanto pinga bebia,
meio artista e meio louco,
ia enchendo pouco a pouco
nossa terra de alegria.

Voltando à primeira vez
em que o vi, na nitidez
da memória posso vê-lo
de novo, quase caindo,
ao lado de Gumercindo,
lá na Base do Camelo.

Gumercindo lhe pagava
uma dose, ele a tomava
e, após a cuspida fora,
dizia:Alô! Tudo em riba?
Então vá ao Paraíba,
que o baratal tá na hora...

Nascia uma relação
entre a empresa e o beberrão
alegre e meio sem tino
que, sem outro plano em vista,
se tornou “propagandista”
da firma do João Claudino.

Macacão estilizado,
botinas, rosto pintado
e megafone na mão,
De Arrouba, cheio de afã
saía toda manhã
para cumprir a missão.

Da Trizidela ao Engenho,
na ida, um bom desempenho.
Entretanto, quando vinha,
cambaleava e pendia
para os lados, parecia
que a roupa andava sozinha.

Nesse quadro hilariante,
embora cambaleante,
arrotando a embiriba
e já ao sabor do vento,
não parava o só momento
de falar no Paraíba.

Dizem que essa era a razão
de, às vezes, um avião
aterrissar de surpresa
em Pedreiras e levar
De Arrouba para alegrar
algumas festas da empresa.

Ele, assim, de voo em voo,
Sua alegria levou
À Região Tocantina,
A cidades do Munim,
A outras do Mearim
E até mesmo a Teresina.
Porém, somente Pedreiras
tinha as imagens inteiras
das cenas cheias de graça
da história do nosso artista
e grande “propagandista”
movimentado a cachaça.  

Apenas nossa cidade
conheceu toda a bondade
de um ser de índole mansa
que, apesar da embriaguez,
nunca destratou nem fez
mal ou medo a uma criança.

Sua alegria, tão linda!
A pureza mais ainda!
Sem as suas brincadeiras
tudo era triste e, na calma,
ficava um pouco sem alma
a vida em nossa Pedreiras.

Via-se nele, de fato,
fidelíssimo retrato
de alguém que trouxe poesia
de um diferente universo.
Não expressa pelo verso,
mas naquilo que fazia.

De Arrouba viveu bebendo.
Ou melhor, bebeu vivendo
do jeito que sempre quis:
só para fazer sorrir...
Nunca precisou sentir
Se ele próprio era feliz.

[LAGO, Kleber. Os Loucos de minha Terra. São Luís: KCL, 2007]

Aos leitores, os meus agradecimentos pela atenção que têm dispensado a este blog. Até breve!
                                                            Kleber Lago



2 comentários:

  1. já li este livro todo e acho fascinante!!pena que na nossa cidade não tem um acervo cultural onde pudesse ser disponibilizado toda história da nossa grandiosa cultura. enfim.

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  2. Este poema, pela beleza da história e pelo nível da línguagem utilizada, mais uma vez atesta que o bom artista da palavra que se serve do verso não precisa se desviar das normas gramaticais, mesmo para tratar de motivos populares. Parabéns, poeta!

    Profª Rita

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