quarta-feira, 29 de agosto de 2012

DOIS MINICONTOS

[Imagem Google - alexfantastico.blogspot.com]

Para a postagem de hoje, escolhi estes dois, entre os minicontos que escrevi num desses poucos momentos em que minha vontade de versejar cede espaço à prosa.
 
 
INVEJA INOCENTE
 
Na manhã daquele domingo, Sílvia soube do grave estado de saúde de Irene. Muito embora suas relações de amizade estivessem limitadas a cumprimentos e pequenas trocas de gentilezas, um impulso levou Sílvia a visitar Irene no hospital, na tarde daquele mesmo domingo. Encontrou-a deitada na cama, olhos fechados, magra, pálida, recebendo oxigênio e tomando soro.
Enquanto Sílvia, ao pé da cama, observava as gotas pingando no pequeno cilindro plástico localizado na parte superior da mangueira ligada à bolsa de soro, em sua mente iam desfilando lembranças dos velhos tempos de escola. Ela, a menina baixinha, franzina, tímida, sem maiores atrativos físicos, mas que sempre tirava as melhores notas da turma. A outra, grande, o corpo de adolescente já mostrando relativa exuberância nos seios e nas nádegas, extrovertida, sempre cercada de meninos, e que só se dirigia a ela com ar de superioridade, sem disfarçar certo olhar de desdém...
Saiu de suas divagações quando a enferma, abrindo os olhos, estendeu-lhe o braço livre do soro, segurou-lhe a mão e lhe falou com voz quase inaudível:
– Obrigada, querida! Fique sabendo que sempre a admirei... Aquela maneira de eu me comportar na escola, compreendi mais tarde, era apenas uma boba manifestação da inveja que eu sentia de você, por ser a melhor aluna da turma...
Sílvia pressionou carinhosamente a mão de Irene, dando-lhe a entender que não guardava nenhuma mágoa daquilo. Mas, no íntimo, sabia que também havia alimentado sentimentos de inveja naquele tempo, sempre que percebia nela a ausência dos atributos que a outra carregava consigo.
 
 
 
UM CASO DE CASAIS

Os dois jovens casais amigos, Márcio/Marília e Paulo/Sandra, moravam no mesmo prédio. No primeiro casal, Marília era quem trabalhava duro para manter a casa, enquanto no segundo acontecia o inverso: Sandra tinha apenas o papel da tradicional dona de casa.
Durante os dias úteis, a vida de cada um desses casais seguia a mesma rotina, quebrada somente nos fins de semana, pelo que já se tornava também uma rotina comum aos dois casais: saídas para um chope num barzinho, para uma manhã de praia ou para visitas a alguns pontos turísticos da cidade.
Coincidentemente, nos últimos meses, estava havendo uma espécie de resfriamento nas relações íntimas, em ambos os casais. E naquela quinta-feira, na repartição pública em que trabalhavam Paulo (marido de Sandra) e Marília (mulher de Márcio), sem que um soubesse da intenção do outro, cada um deles roubou um pedaço de seu turno vespertino de trabalho, arquitetando uma maneira de reaquecer o clima em casa.
À noite, mais ou menos às vinte e uma horas, depois que Paulo e Marília, em cenas paralelas, saíram do banho e adentraram seus respectivos quartos iluminados apenas pela luz dos televisores ligados, cada um deles teve de superar a frustração da expectativa, ao encontrar sua cara metade já entregue ao sono, com uma expressão de satisfação estampada no rosto. Márcio e Sandra, naquele momento, cada qual em seu canto e em sonhos também paralelos, estavam revivendo cenas inesquecíveis das tardes que costumavam passar juntos.
 
 
Mais uma vez agradeço a atenção dos leitores, cujas visitas às páginas deste blog me incentivam cada vez mais a mantê-lo vivo, sem lhe alterar a natureza e sem fugir à finalidade para que foi criado.
 
Kleber Lago

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