1
MINHA LUZ
Diante
de mim a esplendorosa luz
Sempre
surge de forma repentina.
Uma
luz de brancura alabastrina,
Cujo
brilho nãoa fere os olhos nus.
Ela
me anima, inspira e em mim produz
A
sensação de paz quase divina.
Chego
a ver nessa luz que me fascina
Um
sinal da presença de Jesus.
Navego,
às vezes pelo mar da dor
E
me perco no meio da procela,
Pensando
que não vou achar saída.
Minha
luz aparece! Em seu fulgor,
O
caminho de volta me revela,
E
eu reconduzo ao porto a nau perdida.
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2
UM
QUADRO SERTANEJO
O sertanejo
sempre se realiza
quando
percebe que não foi em vão
ter suado
nas lides a camisa
para levar
ao termo um missão.
Então, por
prêmio, ele só precisa
de uma rede
macia de algodão,
em que possa
deitar-se exposto à brisa
do
entardecer tranquilo do sertão.
Ver a noite
chegar... Contar estrelas...
Dar-lhes os
nomes ao reconhecê-las,
até
cansar-se da infindável conta.
E,
finalmente, adormecer sorrindo
num quadro
simples, lírico e tão lindo
à luz da lua
cheia que desponta.
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3
PROCISSÃO
DE SÃO BENEDITO
Faz o
sineiro as últimas chamadas.
Ouve-se,
então, o estrondo das ronqueiras
Por Thiago e
Tiúba disparadas,
Louvando o
padroeiro de Pedreiras.
O andor,
cheio de rosas bem cuidadas,
Entre velas
acesas e bandeiras,
Nos ombros
dos fiéis desce as escadas
E segue
pelas vias rotineiras.
Em seu
trajeto a procissão se expande.
Quando
retorna ao largo, a fé lampeja
Na massa
humana imensamente grande
Que ouve a
missa campal e cumpre o rito
De conduzir
o andor de volta à Igreja,
Cantando o “Salve, Salve, Benedito”!
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4
SAUDADE
Dizem que
este vocábulo não tem
em outra
língua um similar sequer,
para
expressar como se sente alguém
na ausência
da pessoa que mais quer.
Se isso é
certo, verídico é também
que, esteja
o ser humano onde estiver,
saudade é
sempre a mesma quando vem
ao coração
do homem ou da mulher.
Envolve-nos
a alma em suaves danças
em que as
dores deslizam com prazer
numa espécie
de baile de lembranças.
E na emoção
que o nosso peito invade,
a gente
aprende, então, que pode ser
capaz de
compreender o que saudade!
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5
KLÈNIA
Senti-me
igual ao mais nobre dos reis,
o
peito a ponto de explodir de orgulho,
na
madrugada de cinco de julho
em
que fui pai pela primeira vez.
Para
findar uma ansiosa espera,
chegou-me
um anjo em forma de menina
– uma espécie de dádiva divina
para
quem crente em Deus quase não era!
Hoje,
no estágio dos primeiros passos,
Basta
me ver, ela me estende os braços,
Apruma
o andar e para mim avança,
Mostrando
confiança no sorriso
E,
no olhar, uma luz em que diviso
O
brilho inconfundível da esperança!
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6
SEPARAÇÃO
Nó
na garganta, voz enrouquecida,
Um
quer mostrar ao outro que é capaz
De
aceitar conformado a despedida,
Largando
seus motivos para trás.
Mas
a separação deixa ferida
Profundamente
a alma. E seus sinais
Vão
visíveis em nós por toda a vida,
Tal
como trincaduras nos cristais.
No
homem tudo é sensibilidade.
Assim,
não adianta essa firmeza
Fingida
que o casal no adeus comparte.
Se
as almas estão tristes, a saudade
Projetará,
por certo, essa tristeza
Nos rostos
de quem fica e de quem parte.
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7
A SEU LADO
Tudo deixei
correr em desalinho
Ao bel-prazer
da sorte leviana,
Regando
orgias a cerveja e vinho
E zombando
da fé de forma insana.
Foi ao cair
em meio do caminho
Que percebi
o quanto a vida engana,
Os amigos
fugindo de mansinho,
Quando mais
precisei de ajuda humana.
Pedi
socorro aos céus... Divina luz
Apareceu
diante de mim: Jesus
Tinha
ouvido o meu grito angustiado.
Com
simples gesto Ele me ergueu do chão.
Chamou-me,
eu O segui e, desde então,
Passei
a caminhar sempre a seu lado!
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8
MEARIM
Durante
o estio, estreito e preguiçoso,
Entre
as matas e praias serpenteias,
Tendo
a te preservar vivo e piscoso
Grande
afluência de pequenas veias.
Vindo
as chuvas, te tornas caudaloso
E
espalhas pelo vale grandes cheias,
Tornando
fértil o solo dadivoso,
Mesmo
os lençóis das marginais areias!
Para
mim, és um Nilo e tens também
Todo
o valor de hierática entidade
Que,
para o povo hindu, o Ganges tem.
Tanto,
que ao mergulhar em tuas águas,
De
minha alma lava a iniquidade
E
de meu coração removo as mágoas.
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9
O SORRISO DE CECÍLIA
Eu
conheci Cecília adolescente,
Enfrentando
sem queixa e amargura
O
sofrimento acérrimo e inclemente
No
estágio terminal de um mal sem cura.
Seu
fim, ela o sabia, era iminente.
Nem
por isso faltava-lhe a doçura
Que
a certeza da morte geralmente
Distancia
da humana criatura.
Foi
no final de uma manhã de agosto
Que
ela viveu seu último momento
Com
um sorriso a iluminar-lhe o rosto.
Era
um sorriso angelical tão lindo,
Que
chegou a levar-me o pensamento
A
vê-la entrar no céu, também sorrindo!
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10
SUPREMA
BONDADE
Nascente
numa lapa entre animais.
Eras rei,
mas em tua majestade
Tão somente
ostentaste ante os mortais
A nobreza
que existe na humildade.
Durante a
vida, o que fizeste mais
Foi ensinar
amor à humanidade
Que,
desumanamente, foi capaz
De te
sacrificar com crueldade.
Laureado de
espinhos e aviltado
No curso de
paixão tão grande e triste,
Findaste
entre ladrões crucificado.
E, no auge
das dores mais atrozes,
Antes do
extremo alento, ainda pediste
Ao Pai que
perdoasse aos teus algozes!
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11
MINHA MÃE
Chegaste
incólume aos oitenta anos
legando,
como exemplo para a história
das mães, a
marca viva da vitória
sobre
mágoas, tristezas, desenganos.
Tu relegaste
a muitos dos teus planos
e viveste de
forma até simplória
para teus
filhos que hoje têm a glória
de estar
junto da mãe que os faz ufanos.
A mãe que,
na aflição, forte e serena,
não reclamou
da vida um só momento
nem externou
ao mundo sofrimento.
Mãe que
plantou amor, valendo a pena,
e colhe os
frutos da felicidade
com que
adoça seus dias nessa idade.
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12
IMPACTO
De repente,
joguei-lhe um beijo ao vê-la.
Ela, em
troca, sorriu-me graciosa,
Um certo
encanto rútilo de estrela
A
iluminar-lhe o rosto cor-de-rosa.
Nasceu
aquele amor marcado pela
Relação tão
intensa e carinhosa
Que
partilhei com ela até perdê-la,
E ainda vivo
a louvar em versos e prosa.
Hoje, mais
de três décadas passadas,
Sinto,
quando ficamos cara a cara,
As minhas
estruturas abaladas.
Tento
falar-lhe, não encontro jeito,
Porque meu
velho coração dispara
Parecendo
querer sair do peito!
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13
IM MEMORIAM
Como valeu
contigo ter vivido
o amor em
cuja essência não cabia
uma forma
sequer de hipocrisia,
fosse um
ínfimo gesto fementido.
Ele expurgou
da vida o proibido,
porquanto em
seu contexto não havia
qualquer
limitação à fantasia
nem lugar a
desejo reprimido.
Graças ao
nosso amor fomos felizes,
plantando em
nossas vidas as raízes
do carinho e
da mútua confiança.
E esse amor
se tornou imenso e forte,
que até
chego a descrer na tua morte
por te
manter tão viva na lembrança!
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14
A MENSAGEM POÉTICA
Na
expressão, o poeta é sem limite:
tempera
ódio com amor, conforma
vício
e virtude e, às vezes, se permite
tratar
Deus e Satã da mesma forma.
Quando
eclode uma ideia que o incite,
ele,
seguindo ou desprezando a norma,
nos
dedos da emoção põe o grafite
e
em palavras e versos a transforma.
Eis
que a mensagem, quase pronta, aflora
do
instante interior em que se cria
para
chegar ao mundo aqui de fora,
que
é onde realmente se completa,
quando
envolve o leitor nessa magia
que
há na visão de mundo do poeta.
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15
SINAIS DA IDADE
Atravesso
um momento complicado
Confundindo
e esquecendo quase tudo.
Falo,
se tenho que ficar calado
E,
tendo que falar, me torno mudo.
Ao
ver um conhecido andando a esmo,
Quero
chamá-lo, mas lhe esqueço o nome.
Outras
vezes, até sobre mim mesmo
Não
sei falar, pois a memória some.
De
tanto esquecimento e confusão,
Misturo
ave maria com pai nosso
E
sempre digo sim pensando em não.
Sinto
meus pensamento tão dispersos
Que
é difícil explicar como é que posso
Ser
ainda capaz de escrever versos!
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16
SIGNO
TERCEIRO
Terceiro
fruto
de um amor profundo
que
marcou a existência de meus pais,
se
me dedico a algo, vou a fundo
e
visto o tipo que sabe o que faz.
Vivendo
sempre no terceiro mundo,
Venci
conflitos, promovi a paz,
Amimei
muito sonho moribundo
E
ajudei a juntar braços rivais.
Hoje
no curso da terceira idade,
Já
um pouco cansado e bem mais quieto,
Sigo
meus rumos sem sair do trilho.
E
atinjo o auge da felicidade,
Presenciando,
junto com meu neto,
Chegar à luz
o meu terceiro filho.
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© Lago, Kleber. Um pouco de cada momento: uma
coletânea poética / Kleber Cantanhede Lago. São Luís: EDUFMA, 2006.
ISBN
85-85048-662