quinta-feira, 28 de junho de 2018

SONETOS DE ONTEM E DE HOJE PARA SEMPRE II - Textos do livro Um pouco de cada momentro


1             
               MINHA LUZ

Diante de mim a esplendorosa luz
Sempre surge de forma repentina.
Uma luz de brancura alabastrina,
Cujo brilho nãoa fere os olhos nus.

Ela me anima, inspira e em mim produz
A sensação de paz quase divina.
Chego a ver nessa luz que me fascina
Um sinal da presença de Jesus.

Navego, às vezes pelo mar da dor
E me perco no meio da procela,
Pensando que não vou achar saída.

Minha luz aparece! Em seu fulgor,
O caminho de volta me revela,
E eu reconduzo ao porto a nau perdida.

2
    UM QUADRO SERTANEJO

O sertanejo sempre se realiza
quando percebe que não foi em vão
ter suado nas lides a camisa
para levar ao termo um missão.

Então, por prêmio, ele só precisa
de uma rede macia de algodão,
em que possa deitar-se exposto à brisa
do entardecer tranquilo do sertão.

Ver a noite chegar... Contar estrelas...
Dar-lhes os nomes ao reconhecê-las,
até cansar-se da infindável conta.

E, finalmente, adormecer sorrindo
num quadro simples, lírico e tão lindo
à luz da lua cheia que desponta.



3
    PROCISSÃO DE SÃO BENEDITO

Faz o sineiro as últimas chamadas.
Ouve-se, então, o estrondo das ronqueiras
Por Thiago e Tiúba disparadas,
Louvando o padroeiro de Pedreiras.

O andor, cheio de rosas bem cuidadas,
Entre velas acesas e bandeiras,
Nos ombros dos fiéis desce as escadas
E segue pelas vias rotineiras.

Em seu trajeto a procissão se expande.
Quando retorna ao largo, a fé lampeja
Na massa humana imensamente grande

Que ouve a missa campal e cumpre o rito
De conduzir o andor de volta à Igreja,
Cantando o “Salve, Salve, Benedito”!  

4
                  SAUDADE

Dizem que este vocábulo não tem
em outra língua um similar sequer,
para expressar como se sente alguém
na ausência da pessoa que mais quer.

Se isso é certo, verídico é também
que, esteja o ser humano onde estiver,
saudade é sempre a mesma quando vem
ao coração do homem ou da mulher.

Envolve-nos a alma em suaves danças
em que as dores deslizam com prazer
numa espécie de baile de lembranças.

E na emoção que o nosso peito invade,
a gente aprende, então, que pode ser
capaz de compreender o que saudade!


5
                   KLÈNIA

Senti-me igual ao mais nobre dos reis,
o peito a ponto de explodir de orgulho,
na madrugada de cinco de julho
em que fui pai pela primeira vez.

Para findar uma ansiosa espera,
chegou-me um anjo em forma de menina
 – uma espécie de dádiva divina
para quem crente em Deus quase não era!

Hoje, no estágio dos primeiros passos,
Basta me ver, ela me estende os braços,
Apruma o andar e para mim avança,

Mostrando confiança no sorriso
E, no olhar, uma luz em que diviso
O brilho inconfundível da esperança!

6
             SEPARAÇÃO

Nó na garganta, voz enrouquecida,
Um quer mostrar ao outro que é capaz
De aceitar conformado a despedida,
Largando seus motivos para trás.

Mas a separação deixa ferida
Profundamente a alma. E seus sinais
Vão visíveis em nós por toda a vida,
Tal como trincaduras nos cristais.

No homem tudo é sensibilidade.
Assim, não adianta essa firmeza
Fingida que o casal no adeus comparte.

Se as almas estão tristes, a saudade
Projetará, por certo, essa tristeza
Nos rostos de quem fica e de quem parte.


7
              A SEU LADO

Tudo deixei correr em desalinho
Ao bel-prazer da sorte leviana,
Regando orgias a cerveja e vinho
E zombando da fé de forma insana.

Foi ao cair em meio do caminho
Que percebi o quanto a vida engana,
Os amigos fugindo de mansinho,
Quando mais precisei de ajuda humana.

Pedi socorro aos céus... Divina luz
Apareceu diante de mim: Jesus
Tinha ouvido o meu grito angustiado.

Com simples gesto Ele me ergueu do chão.
Chamou-me, eu O segui e, desde então,
Passei a caminhar sempre a seu lado!

8
                    MEARIM

Durante o estio, estreito e preguiçoso,
Entre as matas e praias serpenteias,
Tendo a te preservar vivo e piscoso
Grande afluência de pequenas veias.

Vindo as chuvas, te tornas caudaloso
E espalhas pelo vale grandes cheias,
Tornando fértil o solo dadivoso,
Mesmo os lençóis das marginais areias!

Para mim, és um Nilo e tens também
Todo o valor de hierática entidade
Que, para o povo hindu, o Ganges tem.

Tanto, que ao mergulhar em tuas águas,
De minha alma lava a iniquidade
E de meu coração removo as mágoas.


9
       O SORRISO DE CECÍLIA

Eu conheci Cecília adolescente,
Enfrentando sem queixa e amargura
O sofrimento acérrimo e inclemente
No estágio terminal de um mal sem cura.

Seu fim, ela o sabia, era iminente.
Nem por isso faltava-lhe a doçura
Que a certeza da morte geralmente
Distancia da humana criatura.

Foi no final de uma manhã de agosto
Que ela viveu seu último momento
Com um sorriso a iluminar-lhe o rosto.

Era um sorriso angelical tão lindo,
Que chegou a levar-me o pensamento
A vê-la entrar no céu, também sorrindo!

10
         SUPREMA BONDADE

Nascente numa lapa entre animais.
Eras rei, mas em tua majestade
Tão somente ostentaste ante os mortais
A nobreza que existe na humildade.

Durante a vida, o que fizeste mais
Foi ensinar amor à humanidade
Que, desumanamente, foi capaz
De te sacrificar com crueldade.

Laureado de espinhos e aviltado
No curso de paixão tão grande e triste,
Findaste entre ladrões crucificado.

E, no auge das dores mais atrozes,
Antes do extremo alento, ainda pediste
Ao Pai que perdoasse aos teus algozes!


11
               MINHA MÃE

Chegaste incólume aos oitenta anos
legando, como exemplo para a história
das mães, a marca viva da vitória
sobre mágoas, tristezas, desenganos.

Tu relegaste a muitos dos teus planos
e viveste de forma até simplória
para teus filhos que hoje têm a glória
de estar junto da mãe que os faz ufanos.

A mãe que, na aflição, forte e serena,
não reclamou da vida um só momento
nem externou ao mundo sofrimento.

Mãe que plantou amor, valendo a pena,
e colhe os frutos da felicidade
com que adoça seus dias nessa idade.

12
               IMPACTO

De repente, joguei-lhe um beijo ao vê-la.
Ela, em troca, sorriu-me graciosa,
Um certo encanto rútilo de estrela
A iluminar-lhe o rosto cor-de-rosa.

Nasceu aquele amor marcado pela
Relação tão intensa e carinhosa
Que partilhei com ela até perdê-la,
E ainda vivo a louvar em versos e prosa.

Hoje, mais de três décadas passadas,
Sinto, quando ficamos cara a cara,
As minhas estruturas abaladas.

Tento falar-lhe, não encontro jeito,
Porque meu velho coração dispara
Parecendo querer sair do peito!


13
            IM MEMORIAM

Como valeu contigo ter vivido
o amor em cuja essência não cabia
uma forma sequer de hipocrisia,
fosse um ínfimo gesto fementido.

Ele expurgou da vida o proibido,
porquanto em seu contexto não havia
qualquer limitação à fantasia
nem lugar a desejo reprimido.

Graças ao nosso amor fomos felizes,
plantando em nossas vidas as raízes
do carinho e da mútua confiança.

E esse amor se tornou imenso e forte,
que até chego a descrer na tua morte
por te manter tão viva na lembrança!

14
A MENSAGEM POÉTICA

Na expressão, o poeta é sem limite:
tempera ódio com amor, conforma
vício e virtude e, às vezes, se permite
tratar Deus e Satã da mesma forma.

Quando eclode uma ideia que o incite,
ele, seguindo ou desprezando a norma,
nos dedos da emoção põe o grafite
e em palavras e versos a transforma.

Eis que a mensagem, quase pronta, aflora
do instante interior em que se cria
para chegar ao mundo aqui de fora,

que é onde realmente se completa,
quando envolve o leitor nessa magia
que há na visão de mundo do poeta.


15
            SINAIS DA IDADE

Atravesso um momento complicado
Confundindo e esquecendo quase tudo.
Falo, se tenho que ficar calado
E, tendo que falar, me torno mudo.
          
Ao ver um conhecido andando a esmo,
Quero chamá-lo, mas lhe esqueço o nome.
Outras vezes, até sobre mim mesmo
Não sei falar, pois a memória some.

De tanto esquecimento e confusão,
Misturo ave maria com pai nosso
E sempre digo sim pensando em não.

Sinto meus pensamento tão dispersos
Que é difícil explicar como é que posso
Ser ainda capaz de escrever versos!

16
          SIGNO TERCEIRO

Terceiro fruto de um amor profundo
que marcou a existência de meus pais,
se me dedico a algo, vou a fundo
e visto o tipo que sabe o que faz.

Vivendo sempre no terceiro mundo,
Venci conflitos, promovi a paz,
Amimei muito sonho moribundo
E ajudei a juntar braços rivais.

Hoje no curso da terceira idade,
Já um pouco cansado e bem mais quieto,
Sigo meus rumos sem sair do trilho.

E atinjo o auge da felicidade,
Presenciando, junto com meu neto,
Chegar à luz o meu terceiro filho.


© Lago, Kleber. Um pouco de cada momento: uma coletânea poética / Kleber Cantanhede Lago. São Luís: EDUFMA, 2006.
ISBN 85-85048-662