sexta-feira, 15 de junho de 2018

SONETOS DE ONTEM E DE HOJE PARA SEMPRE: I - Textos transcritos do livro Palavras e Outros Poemas


1
                  FANTASIA

Quando essa doce sensação me invade,
Meus pensamentos sem demora vão
À Minha infância, em busca de ilusão
E alguns momentos de felicidade.

Cinderela, Pinóquio, Xerazade...
Pipas tocando as nuvens na amplidão...
Barquinhos de papel que ainda estão
Vagando pelos mares da saudade...

Na passagem monótona dos anos,
A verdade dos fatos triviais
Tenta sempre mostrar os meus enganos.

Mas minha mente não aceita e opera
Essa volta às mentiras divinais
Que ficaram no mundo da quimera!

                              Pedreiras-MA, 17/9/1957

3
  NEM SONHO... NEM VERDADE

Suaves sensações de anagogia
Enlevam-me nas horas do poente,
Quando apareces repentinamente
E me beijas com gosto de ambrosia.

Um delírio!... Uma meiga fantasia!...
Um momento que em vida não se sente,
E a exótica ilusão de minha mente
Traz-me sempre, no fim de cada dia!

É difícil entender como consigo,
Sabendo-te distante, estar contigo
Nesses doces e mágicos excertos.

Não é sonho... nem pode ser verdade,
Pois ninguém sente igual felicidade
Mesmo estando a sonhar de olhos abertos.

                              Pedreiras-MA 21/8/1958

5
               PRIMEIRO AMOR

O meu primeiro amor nasceu nos anos
Em que, mal me tornando adolescente,
Atirei-me na teia dos enganos
E ali me embaracei completamente.

Fiz promessas, tracei diversos planos
Para a vida que tínhamos à frente,
Sem nunca imaginar que os desenganos
Pudessem mudar tudo de repente,

Quando ela foi embora, eu só temia
Que a frustração me arrebatasse a paz
E outros sonhos repletos de esperança.

Mas logo compreendi que a fantasia
Do meu primeiro amor não fora mais
Do que simples brinquedo de criança.

                                                 Rio, 25/5/1961

7

           SONETO DO EXÍLIO

Eu nasci em Pedreiras-Maranhão,
Cidade ribeirinha a mais bonita,
Fonte primígena da inspiração
Do que de bom dentro de mim palpita.

Deixei-a já faz tempo e, desde então,
Minha tristeza torna-se infinita,
Mas não apaga do meu coração
A fogueira de amor que arde e crepita.

Não deixe Deus que eu morra sem voltar
A ter diante dos olhos a beleza
De tudo que deixei no meu lugar;

Sem que, num gesto meio rude e frio,
Possa arrancar do peito essa tristeza
E afogá-la nas águas do seu rio...

                                           Rio, 3/3/1964

9
 SEMPRE O PASSADO PRESENTE

Em tudo há sombras vivas do passado,
De coisas ou de alguém que a gente amou.
O presente é um arquivo bem cuidado
Que guarda tudo aquilo que passou.

Guarda o primeiro beijo apaixonado
E a doçura da boca que o provou...
Guarda o primeiro abraço que foi dado
E dois corpos febris aproximou...

Por buscar tais lembranças, é que vivo
Manuseando sempre o velho arquivo
Quando a dor da saudade é impertinente.

E sinto, em cada quadro ali contido,
A impressão de que cada amor perdido
Está sendo vivido novamente!

                                          Rio, 28/6/1963

11
           DESILUSÃO

Diante de novos planos e critérios
Envolvendo-me todos os sentidos,
Fui levado a tratar de assuntos sérios
Por um desses desejos incontidos.

Tentei desvirginar certos mistérios
Que, em tanto misticismo confundidos,
Jazem nos seculares cemitérios
Dos sonhos de filósofos vencidos.

Vaguei pelo universo vários anos
Buscando, entre verdades segredadas,
Dirimir meus inúmeros enganos.

Mas, ao voltar, por desventura minha,
Só consegui trazer (multiplicadas)
Aquelas mesmas dúvidas que eu tinha!

                          Pedreiras-MA, 7/12/1965

13
 ONTEM, HOJE E AMANHÃ

No passado vivi tal como quis.
Fui quase tudo, até poeta e louco...
Se mocinho ou vilão, triste ou feliz,
Não reclamo da vida nem um pouco.

Hoje ainda tenho muito do passado.
Só faço aquilo que me dita a mente,
E todo o meu vigor é consagrado
Ao pleno desfrutar do meu presente.

Sei que esse jeito de ser livre assim,
Embora a muita gente desagrade,
Marcará minha vida até o fim.

E chego a imaginar-me, já maduro,
No comando da nau da liberdade
Navegando nas águas do futuro.

                       Pedreiras-MA, 15/8/1969

2
             CONFITEOR

Errei e fui privado, de repente,
da ventura de ter a cada instante
aquele beijo sensual e ardente
que me punhas na boca, delirante.

Por culpa minha, minha tão somente,
cumpro essa pena e trago no semblante
toda a expressão tristíssima e evidente
de que o castigo já me foi bastante.

Em lágrimas confesso que, a despeito
de minha dor e de meu pranto infindo,
chego a sentir-me, às vezes, satisfeito

só pela simples possibilidade
de que isso tudo esteja ter servindo
como motivo de felicidade.

                              Pedreiras-MA, 14/1/1958

4
             O TROMBADINHA

A correr pela rua, arrebata a carteira
De um transeunte aqui; de outro lá, o cordão.
Continua a correr, driblando a massa inteira
Que, histérica a gritar, tenta agarrá-lo em vão.

Mas, por sua desdita, uma bala certeira,
Varando-lhe a cabeça, o faz cair no chão,
No passo inicial de uma triste carreira,
Cuja escolha, talvez, teve justa razão.

Pois era apenas um dos jovens desgraçados
Que, largados à sorte, encontram boas-vindas
Na imensa legião dos marginalizados.

Trombadinha, pivete, o chamem como for,
Furtando, extravasava as mágoas advindas
Da carência de afeto e da falta de amor.

                                                  Rio, 3/2/1964

6
     SOB A SOMBRA DOS RAMOS

Sob a sombra daqueles verdes ramos,
Depois de um beijo ardente e prolongado,
Premidos pelas forças do pecado
Aos prazeres carnais nos entregamos.

Sem ligar à razão e aos seus reclamos,
Amamo-nos de um jeito alucinado
E, de tanto o prazer termos gozado,
Exaustos, sobre a relva desmaiamos...

Ao recobrar-me, no primeiro instante
Julguei que tudo fora um sonho, quando
Uma voz me chamou e pude ver

O seu corpinho nu, tão provocante,
Fremente de desejo, convidando
O meu para outros rounds de prazer!

                                           Rio, 17/4/1962

8

                CONSELHO

Tu finges que és feliz com tanto assédio
Que sobre ti provocas muito enredo.
Por que, se em tua vida tudo é tédio,
Trazes no rosto esse sorriso tredo?

Falta-te o pranto, ou a vergonha impede-o
De correr? Chora, chora enquanto é cedo!
Que a lágrima é o único remédio
Para as dores que sofres em segredo.

Não deixes presa no apertado laço
Do fingimento as horas malfadadas,
como na velha história do palhaço

Que chega ao picadeiro e mostra calma,
Escondendo por trás das gargalhadas
Tristezas que carrega em sua alma.

                                               Rio, 20/1/1964

10
                  AVENTURAS

Quando partiste em busca de aventuras,
carregavas em tuas fantasias
a certeza de que retornarias
saciado de prazeres e venturas.

Mas com coisas incertas e obscuras
tu consumiste em vão noites e dias,
provando nos caminhos que corrias
o amargo dissabor das desventuras.

Hoje, de volta, quase como louco,
cabisbaixo, tu choras passo a passo
o ver tragada a própria confiança

pela decepção que te faz pouco
do corpo todo cheio de cansaço
e da alma vazia de esperança.

                                Pedreiras-MA, 12/5/1965

12
           BUSCANDO O FIM

Levantam nossos pés nuvens de poeira,
Vencendo prados, areais e montes
Na confusão da última carreira
À procura de novos horizontes.

Deixamos para trás vales e fonte,
Lares, conquistas de uma vida inteira...
Ante abismos profundos e sem pontes,
Se alguém fala em voltar, não há quem queira!

Durante a marcha, parecemos certos
De que há oásis em todos os desertos
E brotam flores em qualquer jardim.

Vamos seguindo... Mas ninguém pressente
Que, mesmo caminhando para frente,
Também se pode não chegar ao fim.

                              Pedreiras-MA, 6/1/1969

14
                 LAMENTO

O caminho da vida mais se estreita
E em meu peito a tristeza se retrata,
Enquanto o tempo a fronte já me enfeita
Com os seus fios mágicos de prata.

É do destino a trágica receita:
Derrama em nossa vida, qual cascata,
Tanta emoção que com mestria ajeita
Numa mistura à fórmula que mata.

Não me importa saber que a morte é certa.
Dói-me, sim, entender que a vida é breve
Para quem vive de alma sempre aberta

E sabe intensamente desfrutar
Essa euforia que só se descreve
Colocando em destaque o verbo amar.

                                                   Rio, 21/2/1976


© [LAGO, Kleber. Palavras e Outros Poemas / Kleber Cantanhede Lago / São Luís: KCL, 2009]

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