Meu amigo Danilo Ribeiro, ao enviar-me uma mensagem pelo Facebook, juntou imagens do Recanto da Iracema, projeto por ele idealizado e concretizado, e cujo nome é uma homenagem a Iracema de Sousa Brito, saudosa moradora do Transwal.
Tomar ciência da homenagem muito me sensibilizou, porque Iracema, ou Irá – como eu a chamava, era grande amiga minha, no âmbito de uma relação em que se incluíam mútuas e costumeiras visitas entre nós. Além disso, Irá integrava, no Transwal, com “Seu” Augusto, Chico Tamarino, Antonio, Zacarias (estes dois irmãos de Julimar Barros e Diouro) e outros, o grupo que me acompanhava e me apoiava, nos tempos em que eu militava na política pedreirense.
Mas quero falar aqui da mulher humilde, trabalhadeira, alegre, caridosa, afetuosa, e que, a despeito ter recebido pouca instrução escolar, possuía algo especial que lhe permitia exteriorizar a poesia que sua alma enxergava na vida, por meio de quadrinhas bem elaboradas, nas quais a singeleza do dizer em verso emprestava leveza e graça lírica à expressão de sentimentos grandes e fortes.
Sua produção poética deve ter alcançado uma centena de poemas. Mas a maior parte se perdeu, pois os cadernos que continham os manuscritos, segundo se sabe, foram queimados, depois de sua morte, juntamente com outros pertences que ela deixara guardados, em casa de Isolete Camelo.
O confrade Samuel Barrêto conseguiu resgatar os textos de alguns poemas de Iracema e gentilmente mos enviou, para que eu juntasse àqueles de que eu dispunha e desse público conhecimento deles.
Dos que adiante vou transcrever, os dois primeiros fazem referência – com títulos iguais – a poemas e ao folheto de minha autoria, que ela teve oportunidade de ler, num exemplar que lhe emprestara meu primo Beto Cantanhede (falecido), quando este ainda comandava o programa de Rádio Saudade não tem Idade.
PALAVRAS Kleber Lago Nos corações em que busquei amor ódio encontrei, as mãos de que esperei carinhos maus-tratos me deram, os sábios a quem pedi verdades mentiras me ensinaram. Tenho o coração cheio de amor para quem me odiou, as mãos cheias de carinhos para quem me maltratou e a alma cheia de verdades para quem me ensinou mentiras. (Palavras / Um Pouco de Cada Momento) | PALAVRAS Iracema de Sousa Brito Palavras traduzem encanto, Quer escritas, quer faladas. Enxugam as marcas de pranto Pelas saudades deixadas. De Kleber, que sendo “Lago” Tem muito mesmo é de rio, Tive em mim, como um afago, “Palavras” correndo a fio. Como foi maravilhoso Viajar além de mim! Num sonho lindo e gostoso Voei que nem querubim! Palavras de boas lavras De uma pessoa dileta!... Quanto mais leio “Palavras”, Mais eu amo este poeta. |
O SONHO DO ZÉ Kleber Lago Trabalhador rural, batizado com duplo nome de mártires - PEDRO-PAULO. Conhecido por apelido de gente sem importância: - ZÉ. Mas camponês também sonha... Zé sonhou que seria dono de terra: uma terra pequenina, do tamanho do seu sonho que não ia muito além de quatro linhas de roça. Zé encontrou “sua” terra, tomou posse em seu nome (ou em seu apelido), limpou tudo, fez a cerca, ergueu a palhoça, transferiu a família e encheu o chão de sementes. Triste colheita a do Zé: um balaço na cabeça, uma viúva, três órfãos e sete palmos de terra sobre o corpo e sobre o sonho. (Palavras / Um Pouco de Cada Momento) | O SONHO DO ZÉ Iracema de Sousa Brito No meu “latifúndio” tem Amor, partilha e paixão. A esta morada quem vem Encontra muita canção. Que triste fim teve o “Zé” Que o meu poeta cantou, E cujo sonho de fé Na terra se sepultou. Quantos “Zés” sonham seus sonhos Do que nunca eles vão ter, Pois poderosos medonhos Fazem tudo esvaecer! Eu aqui vou consumindo Uma vida de humildade, Querendo, num sonho lindo, Para o povo a igualdade. |
MORADA DA CHIQUINHA Iracema de Sousa Brito Entre a Cotovelo e a Salvação, Reside a amiga Chiquinha. Numa casa bem singela, La no alto ela se aninha. Ali a paz sempre reina. Morada que me faz bem! Café com bolacha e doce Serve, sem olhar a quem. Eu não sei o que o progresso Vai fazer daquele canto, Quando a Chiquinha se for, Deixando saudade e pranto. Ontem mesmo estive lá, Em conversa prazenteira. Voltei para o meu Transwal Com lembrança na algibeira. | O GALO Iracema de Sousa Brito Que queria mais o galo Depois de tudo o que fez? Só escutei um estalo. Era a galinha pedrês! Correu, correu, mas cansou... E ele, com fome voraz, Da pobre se aproveitou, Soltando o seu canto audaz. Amor é coisa tão boa Quando há consentimento. Se for forçado, magoa A ternura do momento. Seja no Sul ou no Norte, Se a mulher quer liberdade, Terá que soltar bem forte, Seu grito pela igualdade!. |
AMIGOS Iracema de Sousa Brito Muitas vezes nesta vida Eu recebo alguns castigos, Mas sou sempre protegida Pelo carinho de amigos. Os amigos de verdade A gente mesma conquista. E eu, nesta minha humildade, Deles já fiz boa lista. TROVINHAS Iracema de Sousa Brito Palavras não reinvento. Quero a intimidade delas Para alcançar meu intento De libertar as gazelas. Se moça que está sozinha Sonha o amado encontrar, Dela também se avizinha Um dos sonhos de embalar. Um moço, com seu vigor, Logo lhe promete um mundo Cheio de ternura e amor, Num galanteio profundo. Nossa vida nunca é pura Com mentira e traição. O remédio para a cura É verdade na atenção. Eu, que aposto a toda hora Na força da natureza, Quero em trovinhas, agora, Reinventar a beleza! | JARDIM TRANSWAL Iracema de Sousa Brito No chão batido em que ando No meu vai e vem de lida, Quanta gente procurando A sua história de vida! Tenho imaginado a fundo E muito me parte ao meio, Enquanto um amor profundo Em minha lira ponteio. Por que esse andar de agora? Por que promessa de mais? Tenho pressa, vou embora... Esta cantiga, jamais! Todo pleito vem depressa, Sofrendo e estendendo a mão. Mas tudo aqui só regressa Por essa estrada de chão! Ó meu querido Transwal, Que vive e que mora em mim, És meu jardim natural, Meu início, meio e fim! Esqueça, pois eu já sei Como não mais me iludir... Palavra que não é lei Não vai mais me confundir. |
É lamentável que tenha restado muito pouco do que Iracema escreveu. Mas vamos nos conformar, imaginando que lá no céu também já haja um Cantinho da Iracema, onde ela, com seu jeito alegre, rodeada de santos, anjos e almas de pessoas conhecidas, esteja folheando seus cadernos e recitando aqueles poemas que não pudemos ouvir aqui, ao som das liras de querubins rechonchudos que voam por sobre sua cabeça iluminada.
Kleber Lago
Uma Beleza profunda, sem palavras.
ResponderExcluirChorei de emoção, Iracema era minha madrinha.
Professora Goreth
Parabéns, meu poeta, por esta postagem. A revelação dos lindos versos de Iracema é um presente à terra onde vocês viveram e partilharam uma grande amizade.
ResponderExcluirCládia Arôso
Kleber , a despeito da singeleza e riqueza de sentimentos puros expressos nos poemas de ambos os poetas , o que me chamou a atenção foi surpresa da notícia de que o Beto é falecido . senti grande pesar.
ResponderExcluirUm gde abraço.
Irene Soares.
De seus poemas já li muito, dispensam comentários.
ResponderExcluirSua saudosa amiga Iracema só agora vim conhecer. Os poemas dela são simples, mas muito bonitos!
Carlos Borges
Beleza poeta! Iracema é tudo... encanta dizendo coisa de jeito simples...
ResponderExcluirGracy Luna
oeta Kleber Lago, está sendo pra mim grande de valor e prazer visitar teu blog. Notadamente, porque ele versa a nossa intimidade com os nossos fazeres poéticos. Muito sabiamente trazes à lume uma poetisa que não conhecia. Coincidentemente, Iracema Brito leva meu sobronome o que muito me honra, embora tendo conhecimento de que talvez não sejamos da mesma árvore genealógica. Mas, a sua poesia é um canto de grito pela justiça social aos excluídos. Eles que vivem para a terra sem que a terra lhes seja por morada. Um forte abraço e saudades de Iracema pois a sua presença física não está mais entre nós. Mas, ficaram seus versos que ultrapassam os liames de nossa curta existência terrena.
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