Os Loucos de Minha Terra é um poema que escrevi com a intenção única de resgatar a história de seres humanos que se folclorizaram, mostrando, pelas ruas de Pedreiras, uma realidade em que apenas poetas e médicos costumam penetrar: os poetas, pela poesia que enxergam no modo de ser e agir dessas pessoas; os médicos, na busca por compreender como e por que os comportamentos delas se chocam com os daquelas outras pessoas que, no mesmo ambiente social de convivência, são consideradas normais.
O poema se fez livro, com tiragem de apenas mil exemplares. Confesso que eu não esperava o sucesso alcançado por esse despretensioso trabalho que veio a se tornar objeto de monografias e artigos, despertando, ainda, o interesse de profissionais das áreas de Psicologia e Psiquiatria. Dessa forma, para melhor atender às demandas, reeditei o poema, graficamente condensado, primeiro no livro Da Cidade da Pedra e do Rio e depois em Menções, Cantos e Louvores, ambos também de tiragem limitada, em face de serem os meus livros confeccionados de forma semiartesanal, sem requintes gráficos e a baixo custo de produção, para que eu possa distribuí-los gratuitamente a quem se interesse em lê-los.
Sei que muitas pessoas não tiveram acesso a esses livros. Assim, resolvi servir-me do blog para mostrar alguns capítulos de Os Loucos de Minha Terra, começando com Jardelina, uma das personagens do poema, e cuja história de vida e “loucura”, a exemplo das demais, tem tudo a ver com sentimento e poesia.
IX - JARDELINA
Dentro do Bairro Paris, de frente para a matriz, ficava a casa do Gírio, em cujo jardim nascia uma flor que parecia um mimoso e branco lírio. No pequeno prédio ao lado, em ruína, abandonado, se alojara a Jardelina, maluca do tipo jeca, que tratava uma boneca como se fosse menina. De manhã cedo, colhia três das flores e fazia um pouco de água-de-cheiro. Banhava a boneca e, então, com um trapo de fustão, lhe improvisava um cueiro. Depois a punha deitada, muito bem agasalhada, no chão, num canto da sala. E, de maneira tão bela, alisava a fronte dela, como uma mãe, a mimá-la. Quando a “criança” dormia, Jardelina, à luz do dia, após lavar o vestido, despida completamente, chegava ao muro de frente, onde o deixava estendido. Enquanto a roupa secava, nua ao sol, ela esperava, andando entre a casa e o muro, na inconsciente inocência que mostrava, em transparência, o seu espírito puro. Dos bens, todos os que tinha cabiam numa trouxinha. Porém, vazia a barriga não ficava, pois comida farta lhe era servida pela vizinhança amiga. | Viveu na velha morada até ser desabrigada, ao vir a demolição. E lá se foi Jardelina, com sua trouxa e a “menina”, para a Rua Oscar Galvão. Num terreno não murado, já pelo mato tomado, encontrou seu novo lar: um resto de casa, aberto, quase todo descoberto e a ponto de desabar. Lá também, cada vizinho lhe dava pão e carinho, sem ficar aborrecido quando ela, nua e serena, repetia aquela cena da secagem do vestido. Jardelina foi embora, ninguém soube o dia e a hora... Se dela ficou saudade, não vi, em nenhum momento., a cor de tal sentimento presente em nossa cidade. Na verdade, me parece que, nem mesmo numa prece, uma palavra se diz por aquela pobre alma que escondia em tanta calma o quanto fora infeliz. Eu próprio posso dizer que só hoje vim saber que ficou louca a coitada, quando vivia na roça, e o fogo em sua palhoça matou-lhe a filha, queimada. E, por isso, Jardelina mantinha viva a menina na figura da boneca, uma prova tão segura de que nem mesmo a loucura os sentimentos nos seca. |
Obrigado pela atenção. Obrigado pelo prestígio que têm dado a este blog, refletido na quantidade de visitas de leitores do Brasil e do exterior, demonstração inequívoca de que também a literatura produzida em Pedreiras-Maranhão-Brasil tem o poder de ultrapassar fronteiras para universalizar-se.
Kleber Lago
Caro Kleber,
ResponderExcluirJá li o poema inteiro várias vezes. Os Loucos de Minha Terra é expressão da arte poética, onde a simplicidade do dizer se sublima, a narrar de maneira suave e bonita histórias como as de "Jardelina", "Beta", "Faustino" e de outros. Para mim, sua obra-prima.
MÁXIMO FIGUEIRA
Adorei! Lindo! Toca a alma da gente...
ResponderExcluirGracy Luna
Gosto muito do poema, pela riqueza de poesia que ele expressa, deixando um peso e leveza na alma do leitor.
ResponderExcluirSamuel Barrêto
Parabéns pelo poema companheiro Kleber Lago, quanta destreza em retratar estes momentos do passado.Foi um grande prazer ouvir os conselhos,conversas,lorotas e piadas no derradeiro dia de festejo...Um grande abraço!!!
ResponderExcluirA própria pronuncia, Jardelina, soa uma grande poesia. Agora, a escrita em si, desce tão macia que nem uma boa cachaça, sem queimar a garganta e ainda nos faz desejar mais uma dose.
ResponderExcluirQue maravilha... Essa poesia, assim como a boneca de Jardelina nunca há de morrer.
Ainda não li o livro, mas pela mostra já imagino como ele é.
ResponderExcluirSônia Martha
Queria poder ler tudo que você escreve... Esse poema Jardelina tem muita beleza poética... Você é o "cara"!
ResponderExcluirCarlos Borges
Lembro-me de que chorei de emoção na primeira vez que li este poema. A figura de Jardelina representa a pureza de uma alma sofrida e calejada pelos infortúnios da vida.
ResponderExcluirExistem muitas Jardelinas nesse mundo, pessoas que guardam para si suas tristezas e morrem sem ser percebidas!
Cláudia Arôso
Seu Kleber, que coisa linda essa poesia, me comoveu.
ResponderExcluirFÁBIA CARVALHO
O pouco que conheço do Sr não imaginava que era um poeta nato, fiquei muito emocionada com o poema muito lindo, estás de parabéns.
ResponderExcluirKleber,
ResponderExcluirEu só havia lido de você o livreto Quadras para os Setenta, Haikais e Trovas Soltas,no exemplar que me fora oferecido. Agora tive oportunidade de ler o seu blog. Passei-o todo, e o que me resta é a admiração ao grande poeta que você é.
Profª Rita
Estou visitando o blog pela primeira vez. Você é bom no soneto, no haicai, em qualquer tipo de poema. Esse Jardelina é o máximo, mexe com as almas sensíveis à beleza da poesia.
ResponderExcluirMateus (de Salvador-BA)
Já li muita coisa sua que gostei, mas confesso que esse texto me roubou um fascínio especial.. pela escrita, e pela própria loucura que é algo que me fascina .
ResponderExcluirUm abraço seu Kleber!
OI Kleber tudo bem?
ResponderExcluirComo faço para conseguir "OS LOUCOS DA MINHA TERRA"? Sou de Pedreiras.
MARIA LUIZA MARTINS (MAIZA)
Um grande abraço