CLÁUDIA ARÔSO
Quando minha saudosa sogra, Maria Cantanhede Lago, ainda residia em Pedreiras, algumas vezes visitei a terra natal de meu marido, onde tive oportunidade de conhecer, entre outros amigos de Kleber, dois que dele se consideravam discípulos poéticos: João Barreto e Edivaldo Santos.
Li poemas de ambos e cheguei a emitir um comentário acerca de trabalhos de João, em seu livro Empréstimos e Puxada e outros poemas. Não me bastasse observar nesses dois poetas competência para dizer coisas simples e bonitas em poemas bem elaborados e agradáveis de ler e ouvir, também senti o prazer de admirar-lhes o senso de gratidão e de reconhecimento com que cada um deles, a seu modo, foi capaz de exprimir, em versos, a esse que hoje é reconhecido como uma das maiores expressões da literatura pedreirense.
Sou colaboradora ativa do Blog Kleber Lago, cuja finalidade é divulgar tanto os trabalhos de seu criador quanto de outros que fazem parte do universo poético de Pedreiras. Aqui tenho meu espaço para fazer livremente, dentro do espírito do blog, aquilo que ache conveniente. Assim, resolvi, nesta postagem, mostrar alguns frutos das lavras do saudoso João Barrêto e de Edivaldo Santos, incluindo os poemas em que eles prestam homenagem a Kleber Lago.
R Ô N I
João Barrêto
Kleber Lago, ao se mudar Para o Rio de Janeiro, Deixou-me um belo exemplar Mestiço de perdigueiro. Rôni chamava-se o cão. E, talvez por ser mestiço, Era um tanto brincalhão E adorava um rebuliço. Desmentindo o que os humanos Falam sobre cão e gato, Ele com nossos bichanos Dividia espaço e prato. Mas se estava a repousar, Para tirá-lo do tento, Bastava pronunciar, Bem alto, o nome jumento. Rôni, então, de cara brava E meio desnorteado Por não ver nada, ladrava Correndo pra todo lado. Da lembrança hoje resgato A imagem do velho cão Para destacar um fato Que me causou emoção. Após dois anos ou três, Kleber, de volta à cidade, Aqui ficou quase um mês Matando um pouco a saudade. Num dado fim de semana, Sábado, quase à noitinha, Estávamos na Romana, Bebendo uma cervejinha. Rôni vinha calmamente, Seguindo o Antônio, meu filho. Quando nos viu, de repente, Seu olhar se encheu de brilho. Parou à porta um instante. E, alegre que nem um mono, Entrou no bar de rompante A encontro do antigo dono. Cheirou-o, lambeu-lhe os braços, As pernas, o corpo inteiro, | Ganhando fortes abraços Do seu velho companheiro. Depois de tanto carinho E troca de gentileza, Acomodou-se, quietinho, No chão, debaixo da mesa. A boa farra rolava... Vai cerveja e cantoria... De volta, Antônio o chamava, Mas o cão não se mexia. Só quando Kleber saiu Dizendo que ia embora, Rôni, entendendo o que ouviu, Grudou-se a ele, na hora. Nem a palavra jumento O tirava do regalo. E, ante o canino argumento, Kleber dispôs-se a levá-lo. Assim, já meio “queimado”, Mas com certa paciência, Comigo e com Rôni ao lado, Foi à minha residência. Tão logo que nós chegamos, Peguei a corda e a coleira, Prendendo o cão sob os ramos De uma velha gameleira. Voltávamos caminhando No rumo da Rua Nova, E foi justamente quando Da amizade deu-se a prova: Um latido em tom de choro, Solto com certa pujança, Fez-se repetido em coro Pelos cães da vizinhança. Kleber, pelo cotovelo, Puxou-me e disse: - Barrêto, Vamos ali ao Camelo Para eu fazer um soneto. ... O soneto que escreveu Ainda guardo na memória. E aqui o coloco eu Por ser parte desta história. | “Amigo, eu não cheguei ainda ao tanto Que almejo, em termo de conhecimento. Mas, no pouco que sei, eu te garanto Que o animal tem alma e sentimento. Causa emoção sentir que o Rôni chora! Isso, bem mais que o álcool, me embriaga. E, nesta embriaguez, me ponho agora A parafrasear Belmiro Braga. Andando entre pessoas sorrateiras No curso desta vida, subi morros, Desci também inúmeras ladeiras. E qual disse Belmiro, hoje te digo: - Se entre os amigos encontrei cachorros achei entre os cachorros um amigo.” Em verdade, nos terrenos Do saber, nós, os humanos, Não passamos de pequenos Cultivadores de enganos. Só damos luzes e cores Às nossas próprias conquistas. E até mesmo em nossas dores Somos um tanto egoístas. Os exemplos são freqüentes De, em razão de alguns receios, Ficarmos indiferentes Aos sentimentos alheios. Neste caso, aprendi que Entre os cães, bem ao contrário, Tanto amizade se vê Quanto senso solidário. Só agora, que me sento Sobre isso a meditar, Vejo quanto, em sentimento, Deixamos a desejar. E eis que encerro o meu relato Afirmando, em confissão, Que hoje aos cachorros sou grato Por esta grande lição. Pedreiras, 1978 |
SENSAÇÃO INEXPRIMÍVEL
João Barrêto
Quando uma saudade sinto, Dói no início, realmente, Mas, depois, me faz contente... E, sendo claro e sucinto, Parece como se fosse Taça de bom vinho doce Que, após trago de absinto, Adoça os lábios da gente. Isso é porque, na verdade, A falta de um grande amor Perde seu gosto de dor, No instante em que nos invade Qualquer lembrança querida | Que, do passado trazida, Troca o amargo da saudade Por um sublime dulçor. Sensação que considero Alento para a estesia De quem tudo fantasia. Porém, para ser sincero, Exprimi-la no papel, Em soneto ou em cordel, Mesmo em letra de bolero, Eu jamais conseguiria. Pedreiras,1993 |
RIMA E POESIA
João Barrêto
Se acaso exista quem tema A rima, deixo um recado: Não tenha medo de rima! Rima não morde ninguém, A não ser quando um coitado Mostra um mau-gosto rimado No que acha ser um poema, Na pretensão de dar clima De poesia ao que não tem. Quem gosta de se expressar, Usando o verso rimado, Deve, portanto, evitar Qualquer prática abusiva | De verso de pé quebrado E de rima apelativa. O bom poeta é sensato. Logo, invariavelmente, Como ele sempre prima Pela imagem do que cria, Diz com poesia o que sente, Mesmo estando a rima ausente. Difere dos que, de fato, Abusam muito da rima, E exprimem pouca poesia. Pedreiras,1998 |
ODE AO MESTRE
João Barrêto
Eu tive um grande mestre em minha vida,
alguém que, desde jovem, sábio era,
correndo no real, a toda brida,
ou voando, tranquilo, na quimera.
Bastou-me apenas encontrar guarida
em sua alma amiga e tão sincera
para que a minha fosse preenchida
de saber, muito mais do que eu quisera!
Por isso afirmo, agora, com razão,
que a linha do meu estro nunca estrago
bordando rimas sobre tema vão.
E se fazer poesia fosse guerra,
eu só me curvaria a Kleber Lago
– o maior dos poetas desta terra!
Pedreiras,1999
O SORRISO DE MARIA
Edivaldo Santos
Ao de mim te aproximares Sem perguntar se eu queria, Senti os nossos olhares Em perfeita sintonia. E no teu doce sorriso Vi algo que só diviso No sorriso de Maria. Em sua candura imensa, Puro, sem hipocrisia, Teu sorriso é a presença Do próprio Deus, em poesia. Por isso, digo e repito Que nada há mais bonIto Que o sorriso de Maria. Tal presente radiante Que recebo todo dia Vale mais que diamante Ou prêmio de loteria. Posso afirmar, com certeza, | Que não há maior riqueza Que o sorriso de Maria. Não há o que corresponda Ao sorriso de magia Que Leonardo, em A Gioconda, Expressou com a mestria Própria do seu gênio raro. Porém, nem esse eu comparo Ao sorriso de Maria. Não faço o menor juízo De como eu viveria Sem as cores do sorriso Da cria da minha cria. Talvez morresse de estresse Se comigo não tivesse O sorriso de Maria. Maria Virgem, na dor Do parto, também sorria | Dando à luz o Salvador, Nas palhas da estrebaria. Naquele instante, José Compreendeu, em sua fé O sorriso de Maria. Para mim, o teu sorriso É o tipo de terapia De que hoje mais preciso. Na Celeste Drogaria, Sou, como avô, paciente Que se tornou dependente Do sorriso de Maria. Se te dessem outro nome Que não fosse o de Maria, Entrando em greve de fome, Teu nome eu não chamaria, Por não caber a beleza Expressa na singeleza Do sorriso de Maria! |
LIÇÃO DE RITA
Edivaldo Santos
Mamãe, sábia na pobreza De estudo e conhecimentos, Deu-me, com seus fundamentos, Hereditária riqueza. Criou-me com singeleza, Usando em sua missão Pouco SIM e muito NÃO, Sem, porém, negar-me afeto E tudo quanto é correto Numa boa educação. O ter sido assim criado Nunca me causou revolta. Foi bom tê-la à minha volta E, ao ver-me desocupado, Ela fazer de um ditado O seu constante bordão. E sempre, eu gostasse ou não, A mamãe me repetia Que “Toda mente vazia É oficina do cão.” Assim que papai morreu, Minha mãe, no mesmo instante, Sentiu que para adiante Teria um fardo só seu. Seis filhos que o amor lhes deu, Pela orfandade marcados, Teriam de ser criados Com disciplina e carinho E seguir pelo caminho Dos cidadãos educados. | A mamãe, que sua vida Vivia em função da nossa, Tratou de fazer da roça Uma opção preterida: Por meta a ser atingida Tinha a nossa educação. Não que a enxada e o facão Nos tornassem desonrados, Sim porque nos ver formados Era a sua aspiração. Agora, homens formados, Gratos por sua labuta E pelo esforço na luta Por nos ver realizados, Sentimo-nos consternados Ao abraçá-la, doente Desse mal que apaga a mente. E a gente lamenta e chora, Pois a mãe que a gente adora Não conhece mais a gente. De nossa mãe lutadora Mantém-se o exemplo de pé. Quanta fibra, quanta fé! E como foi vencedora Esta sábia professora Que, hoje, frágil, combalida, Em sua mente esquecida Nada mais sabe, nem dela! Mas se ponho os olhos nela Só vejo lições de vida. |
LAVOURA DE SENTIMENTOS
Edivaldo Santos
Na seara do meu peito, Poeta e sempre sujeito A saudosos pensamentos, Eu semeei sentimentos Num canteiro de emoção. Mas, como sol de verão Ardia sem piedade, No meu quintal de saudade Só cresceu mesmo paixão. Alegre como criança, Plantei a verde esperança De uma “vida cor-de-rosa” E sonhei vê-la viçosa Colorindo a plantação. Porém fiquei na ilusão De sua fertilidade: No meu quintal de saudade Só cresceu mesmo paixão. | Fertilizei meu pomar Com ternura de luar, Amor, carícia e apego, E com chuva de aconchego Preparei a irrigação. Pra minha decepção, Não brotou felicidade: No meu quintal de saudade Só cresceu mesmo paixão. Na seara do meu peito Algo não anda direito. Como num solo de pedra, O que ali planto não medra. Assim, eu vou, com razão, Respeitar-lhe a aptidão, Já que, por fatalidade, No meu quintal de saudade Só cresce mesmo paixão. |
NINGUÉM CANTA PEDREIRAS
COMO CANTA KLEBER LAGO
Edivaldo Santos
Homenagem que presta o autor ao nosso poeta-maior, no dia de seu aniversário.
Taí um filho da terra Que louva sua cidade, Em tudo quanto ela encerra, Com a graça e a intensidade Das mensagens altaneiras. Lendo seus versos, me indago Se alguém já cantou Pedreiras Como canta Kleber Lago. João falou de seus encantos, Corrêa e outros também, Na beleza de seus cantos, Levaram-lhe o nome além De nossas velhas fronteiras. Mas uma certeza eu trago: - Que ninguém canta Pedreiras Como canta Kleber Lago. Kleber resgata a história Da cidade e sua gente. E o seu cantar funde a glória Do passado e a do presente A idéias alvissareiras Para o futuro inda vago. Ah! Ninguém canta Pedreiras Como canta Kleber Lago! São inúmeros poemas... Os versos somam milhares Sobre a terra, e sempre os temas São seu povo, seus lugares E o rio, entre as ribanceiras, | Dizendo com certo afago Que ninguém canta Pedreiras Como canta Kleber Lago. Há sonetos (não são poucos) De um louvor com maestria. Em Tempo e Distância, Os Loucos..., Louvação, toda a poesia Que inspira emoções fagueiras. – Um sonho em que me embriago, Tendo, ante os olhos, Pedreiras Como canta Kleber Lago! Por voluntária adoção, Sou desta terra também. Poeta por vocação, Mostro que lhe quero bem. Mas digo, sem ciumeiras, Que ao ler o mestre, eu naufrago. Pois não sei cantar Pedreiras Como canta Kleber Lago. A ele todo o respeito Que eu possa guardar comigo. Já me sinto satisfeito Só em tê-lo como amigo. Então, por essas ribeiras, Se igual não canto, propago Que ninguém canta Pedreiras Como canta Kleber Lago. Pedreiras, 21/2/2010 |
Para quem não é de Pedreiras ou ainda não teve o prazer de conhecê-la, devo prestar algumas informações sobre os dois poetas autores dos poemas aqui mostrados e sobre suas relações com Kleber Lago.
João de Sá Barrêto (JOÃO BARRÊTO)
Nasceu no município de Pedreiras, em 18 de dezembro de 1938 e passou a ser lembrança e saudade a partir de 11 de abril de 2011. Membro fundador da Academia Pedreirense de Letras, homenageado com a Comenda Corrêa de Araújo e admirado como talentoso versejador, notabilizou-se pelos poemas satíricos que escreveu, retratando, com fina ironia, de forma alegre, inofensiva e agradável de ler e ouvir, pessoas e situações do cotidiano pedreirense.
Amigo de Kleber desde a infância, tomou-o, mais tarde, por mestre do ofício da Contabilidade e dele também recebeu lições de versificação, o que, segundo ouvi do próprio João, no primeiro encontro que tivemos em Pedreiras, na residência de Da, Maria Lago: “foi o abrir das cortinas para minha vida profissional e para o disciplinamento do meu dizer em versos”.
Dos poemas de João Barrêto, bem elaborados e reveladores de sua grande verve e de sua invejável capacidade de ir poeticamente do lírico ao satírico, muitos foram publicados em folhetos, coletâneas poéticas de Pedreiras e, finalmente, reunidos no livro Empréstimos e Puxada e outros poemas, editado por Kleber em 2011 e oferecido como presente ao amigo, por ocasião do último aniversário que o Gregório de Matos pedreirense comemorou, neste lado da vida.
Edivaldo Sousa dos Santos (EDIVALDO SANTOS)
Nasceu em 26 de fevereiro de 1957. Ludovicense de berço, é “advogado por profissão, poeta por vocação e pedreirense por adoção”.
Quem lê Edivaldo logo percebe sua predileção pela chamada “poesia cabocla”, cuja simplicidade e leveza ele carrega, quase que invariavelmente, para outras formas de expressão poética que exigem uma linguagem mais apurada. Uma de suas características marcantes é a composição a partir de um “mote”, transformado em refrão ao final de cada estrofe, o que, a propósito, ele faz com certa habilidade, tornando os poemas em que isso ocorre, agradáveis a quem os lê ou a quem os ouve. Ele faz versos carregados de emoção e romantismo, falando da natureza, das pessoas e do cotidiano da terra que escolheu para viver, e também caminha pelo campo das sátiras. Publicou trabalhos em CD, na Revista “De Repente” – especializada em divulgação de poesia popular, em coletâneas poéticas de Pedreiras e no livro de sua autoria Do Coração do Poeta.
Edivaldo Santos é membro fundador da Academia Pedreirense de Letras e seu atual vice-presidente, exercendo o mandato pela segunda vez consecutiva, ao lado do presidente Kleber Lago, que ele considera grande amigo e conselheiro.
Cláudia Arôso
Êta terra pra ter poetas bons!
ResponderExcluirJonas Almeida (SLZ)
Cláudia Aroso, gostei dos poemas e de suas palavras também.
ResponderExcluirAmélia
Bons poemas e bom comentário seu. Parabéns, Cláudia!
ResponderExcluirSônia Martha
Dr. Edivaldo Santos é um grande poeta! Advogado por profissão, é mesmo na poesia que mostra ter dom...
ResponderExcluirConheci João Barreto, esse era poeta de mão cheia.
ResponderExcluirJonas