terça-feira, 17 de novembro de 2015

DA LAVRA DE 2015 - fevereiro e março



Esta postagem reúne textos selecionados entre os que escrevi  em fevereiro e março de 2015 e já publicados em outros canais.

                                                                           Fevereiro


IMPASSIBILIDADE

A terra de seu coração
ficou seca e desenhada
de rachaduras
.

Ali não mais caíram
chuvas de sentimentos
não mais germinaram
as sementes do amor,


não mais voltaram folhas
aos galhos do desejo...

E tudo se refletia
num rosto em que se acentuavam
as marcas da insensibilidade
de quem se tornou capaz
de assistir impassível

ao êxodo das próprias emoções.



TRÊS INSTANTES

Agora,
deves guardar silêncio
e escutar-me simplesmente;
deixar-me dizer-te
tudo o que te omiti
sobre meus pensamentos,
palavras e atos
de que não foras o alvo;
permitir-me revelar-te
todas as minhas mentiras,
fingimentos e traições
ao longo desses anos.

Depois,
será a tua vez
de livremente me fazeres


as tuas confissões,
a que ficarei atento,
sem buscar razões
e sem questionamentos.

Mais tarde,
deveremos considerar
o que nos dissemos
e, vestidos de sensatez,
despidos de rancor e mágoa,
teremos de decidir
entre duas opções:
– ou nos perdoarmos mutuamente
num abraço de reenlace;
– ou virarmos as costas um ao outro
para o começo de um caminhar
em direções opostas...


CONCEITO PRESCINDÍVEL

Se é sentimento, é para ser sentido,
e quando alguém me vem conceituá-lo,
finjo que escuto, mas não dou ouvido,
abro um sorriso e diante dele calo.

Quanta felicidade tenho tido,
quanto fascínio, e quanto me regalo
de os chamados do amor ter atendido
e poder falar dele como falo!

Dizer que ele prescinde de conceito;
que só senti-lo já nos mostra o jeito
como ele atua dentro da alma humana,

causando sensação tão doce e boa
mesmo à mais dura e rústica pessoa,
que ao ver-se terna, disso até se ufana.


             DROGADO

Sempre que pega algum trocado micho,
daqui da rua certas horas some
para comprar a droga que consome,
mas logo volta, feito um homem-bicho.

Nele atua a má sina com capricho:
sob efeito da droga, esquece o nome
e até se serve, quando está com fome,
dos restos de comida que há no lixo.

É simplesmente um ser que subsiste
no curso de uma vida louca, triste,
em que de humano já não restam traços.

E para ele o mundo é algo estranho,
sem sentido, sem forma, e do tamanho
que cabe seu vaivém de poucos passos...



  CARINHO NÃO TEM PREÇO

Não houve grandes comemorações,
mas sou grato e o serei eternamente
a quem de perto e a quem embora ausente
trouxe, ou mandou-me felicitações.

Foi um dia de fortes emoções,
pois que cada lembrança é um presente
que muito mais valor tem para a gente
que o valor monetário dos milhões.

O preço do carinho não tem preço,
e ao receber carinho, reconheço
que para mim seria um sofrimento,

o mais atroz de todos os castigos,
se – em carinho – aos parentes e aos amigos
não expressasse este agradecimento.


       PARCEIROS

Ele” e eu – um exótico dueto:
o poeta, inventivo, organizado;
e eu não passando de um descompensado
em razão das loucuras que cometo.

Somos opostos, como o branco e o preto,
diferentes em tudo, lado a lado,
e apesar disso, certo até tem dado
a parceria, mesmo no soneto.

Sem eu contar, ninguém suspeitaria
ser “ele” realmente o criador
dos “meus” sonetos cheio de poesia,

porquanto o meu papel na parceria
não é outro, senão o de transpor
para o papel aquilo que “ele” cria.

                                                                              
                                                                               Março


                                            B U S C A


Sou, sem qualquer dúvida,
um perscrutador de mim,
mas a minha busca
é por algo essencial
de que alguém superior
dotou-me interiormente.


Quero trazê-lo para fora,
materializado
em palavras e atos,
para que, enquanto vivo,
eu consiga ser visto
no EU que ainda não sou.



           RECUSAS

Ontem te convidei para um passeio,
porém tu recusaste o meu convite,
e na desculpa que me deste, veio
a alegação de crise de rinite.

Hoje vou te propor um dia cheio
de carinho e prazeres, sem limite,
mas estou, em verdade, com receio
de que me alegues uma encefalite.

Cada vez que me negas teu carinho
toda a alegria de minh’alma some,
e então me sinto como um bebezinho

que se contorce dentro do seu leito
e em pranto denuncia a dor da fome,
enquanto a mãe fica a negar-lhe o peito.


SÓ NÃO HÁ JEITO PARA A MORTE

Há vezes em que a sorte chega a nós
e abre um sorriso; há outras, em que muda
e mais parece impiedoso algoz
a nos mostrar a face carrancuda.

Temos a sensação de estarmos sós;
o medo do fracasso a nós se gruda
e nos tolhe de suplicante voz
mandar a quem nos possa dar ajuda.

Passei por isso, e tive de ser forte
para fazer a Deus o meu pedido,
pois não há jeito apenas para a morte.

E como Deus nos dá por outras mãos,
o que eu pedi está sendo atendido
pelas bondosas mãos de alguns irmãos.


                                            
                                             CICLO


Na terra eclode a semente,
tenra plântula germina,
entra em fase de medrança
e, enfim, se torna roseira.

Nos galhos surgem botões
que em rosas, então, se abrem,
dando ao ar os seus aromas
e encanto aos olhos da gente.

Mas rosas são marcescíveis
e, como tudo o que vive,
vivem tempo limitado
de vida, dentro da vida.


Perdem beleza e perfume,
sem prejudicar o ciclo,
porque, mesmo quando murchas,
úteis ainda se fazem,

no estágio em que se desprendem
delas as pétalas secas
que ajudarão, com certeza,
a fertilizar o solo,

onde caíram também,
no curso da marcescência,
sementes para o processo
de novas germinações.



                                            QUANDO FALTA EMOÇÃO


se à mente me chega um tema,
Meu “eu poeta” entra em cena,
E eu tendo na mão a pena,
Passo a escrever o poema.

Quando o papel fica cheio
De versos metrificados,
Bem escritos e rimados,
Largo a pena e a tudo leio.

Durante minha leitura,
Vou buscando, aqui e ali,
Emoções no que escrevi,
Tudo com muita lisura.


Se não as acho, só faço
O que me pede o momento:
Sem nenhum ressentimento,
O papel escrito amasso.

Pois penso, de forma fria,
Que quando o poema não
Provoca alguma emoção
É porque não tem poesia.

Mesmo escrito com capricho,
Se poesia ele não tem,
O lugar que lhe convém
É, mesmo, o cesto de lixo.



                                                    À DERIVA

           
Não é que eu seja mau velejador,
sou apenas desleixado
e não posso velejar sozinho,
sem te ter por bússola
a indicar o meu norte
e por luz que não me deixe
desviar de rumo.

Por um impulso fui levado
a navegar por mar desconhecido


sem a tua companhia,
e simplesmente paguei
pela minha imprudência:
tombou o mastro sob ventania
e o leme espatifou-se nos abrolhos.

Num barco à deriva,
sem vela e sem leme,
é como me sinto agora
não te tendo comigo...



     VOOS POÉTICOS

Não nego, Deus me fez ser inspirado
para ver e sentir toda a poesia
que humildemente tenho explicitado,
como sendo um lazer no dia a dia.

Quando escrevo me sinto extasiado,
e minha pena cresce, na estesia
que me inspira um poema musicado
com notas de tristeza ou de alegria.

Dessa maneira, se meu canto entoo,
às vezes chego a perceber-me em voo
por espaços bem altos na amplidão.

E o meu tempo de voo até a volta
só depende da força com que solta
suas asas a minha inspiração.  


       AUTODESCRIÇÃO

Nunca deixando a mente submissa
a qualquer sentimento torpe e estreito,
eu só pretendo estar presente à liça,
sem qualquer intenção de ser perfeito.

Normalmente, me sinto satisfeito,
mas se algo injusto minha alma atiça,
sem dar explicações me tenho feito
um rival ardoroso da injustiça.

Se é contra os outros, fico revoltado;
se é contra mim, não sei dizer por que,
meu protesto é um tanto comportado.

E quando tudo está me sendo avesso
rogo ao Senhor apenas que me dê,
em proteção e apoio, o que mereço.


Espero que façam uma boa leitura e, de já, manifesto meus agradecimentos aos amigos s leitores deste blog.
                                 Kleber Lago

© Kleber Cantanhede Lago

2 comentários:

  1. Se é para admirar beleza, não nego minha presença.

    Máximo Figueira

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  2. Não deixo de vir aplaudir.

    Profª Rita

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