domingo, 18 de maio de 2014

AMAR E ESCREVER (Postagem Parcial 3)



Dando sequencia ao que anteriormente foi postado, esta postagem parcial do livro Amar e Escrever traz os poemas da página 41 à página 60.
 

 
     REVEZAMENTO
 
 
 
A vida é luz. Por isso mesmo, quando
uma foge de nós, outra aparece,
e enquanto luzes vão se revezando,
nossa alma se apraz e se embevece.
 
No mundo tudo ocorre sem desmando,
conforme o Criador estabelece:
é o Sol toda tarde declinando
no horizonte, onde o azul sempre enrubesce...
 
É, após cada lírico arrebol,
cansado e sem fulgor, buscar o Sol
um lugar no Ocidente, onde se acoite,
 
para a Lua, que logo se aparata
com seu luzente encanto cor de prata,
assumir o papel de “Sol da Noite”.
 
 
 
   ROSA
 
     (A Rosário Vidal, in memoriam)
 
Rosa mulher,
Rosa mãe,
Rosa amiga,
Rosa coragem!
 
Rosa cujo ato simbólico
Do que se costuma chamar
“Último adeus”
Não roubará a constância
De sua presença em nós.
 
Rosa que, ferida
Por humano mal,
Não se despetalou
Nem caiu do galho.
 
Rosa imarcescível
Que será sempre viçosa
Em nossa lembrança
E no jardim de Deus!
 
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            MUSA
 
 
 
No dia em que me aproximei de ti,
eu – já fazendo as vezes de poeta –
entre outras tantas musas, te escolhi
para seres a minha predileta.
 
Não demorou, contigo me envolvi
em relação mais forte, mais direta,
e não bastasse, ainda me senti,
diante do mundo, um verdadeiro esteta.
 
Então, passei a dedicar-me mais
à busca de expressar poesia em versos,
sob os impulsos de vontade extrema.
 
No entanto, se ao meu lado não estás,
sentindo os pensamentos tão dispersos,
não consigo escrever um só poema...
 
 
NO CURSO DA TRAVESSIA
 
 
 
Enquanto a vida atravesso
distâncias eu nunca meço
nem procuro pôr medida
em certas coisas que faço.
 
Seguindo o destino meu,
mantenho o mesmo compasso,
alma solta, embevecida,
seja em subida ou descida,
em plano, em curva ou em reta;
e se não quero ser eu,
ora me faço palhaço
ora me torno poeta. 
 
No curso da travessia
alternando esses momentos,
vou feliz, me realizo,
pois não só arranco o riso
dos carentes de alegria,
como também verbalizo
emoções e sentimentos
que me desperta a poesia.
 
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CONDIÇÃO SINE QUA NON
 
 
 
Numa manhã de sol; na queda de uma folha;
na leveza da pluma a flutuar ao vento;
na noite de luar; na rosa que se colha
para ofertá-la a quem nos traz contentamento...
 
Num abraço de amor de alguém que nos acolha;
nos cuidados da mãe, com seu olhar atento;
e até mesmo no ato em que pequena polha
agacha-se e se entrega ao acasalamento...
 
Enfim, no que ele vê, tateia, pensa ou sente,
acha o versejador a poesia latente,
pronta a fazer-se verbo, em variados temas.
 
Mas na satisfação de tal desiderato,
bom poeta será somente quem de fato,
mais que versos, mostrar poesia em seus poemas.
 
 
    PRIMAVERIL
           
            (À memória de Vânia)
 
Ela foi trazida à luz
em 22 de setembro,
por certo, no mesmo dia
em que chega a primavera
aqui em nosso hemisfério.
 
Com alma primaveril,
marcada pelo cuidado
que tinha com seu jardim,
curtiu o cair das folhas
ao vento de seus outonos,
aqueceu com nosso afeto
o frio de seus invernos,
agradeceu sempre ao sol
o calor de seus verões,
e foi num desses verões
que Deus a tirou de nós.
 
Mas, enquanto no caixão,
entre rosas amarelas,
o seu corpo era levado
para ser entregue à terra,
havia em seu rosto morto
viva expressão de um sorriso,
como que para mostrar
que, concomitantemente,
seu espírito feliz
viajava rumo ao Céu
em clima de primavera.
 
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POR CAUSA DOS EXCESSOS
 
 
 
Uma aurora; um poente; um sobe e desce
de marés; uma noite enluarada;
um rio a desenhar curvas em esse;
um bando a levantar-se em revoada;
 
uma ave canora que emudece
ao se ver de repente engaiolada;
um grupo humano ajoelhado em prece;
um... (paro aqui, sem escrever mais nada)
 
Não falha! Em referência aos meus poemas,
sempre deixo incompleto um rol de temas,  
em razão dos excessos que cometo.
 
Esse último eu pus de lado, quando
percebi que o estava organizando
na clássica estrutura do soneto...
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
  OS DEDOS DA MÃO
 
 
 
Cinco diferentes dedos
na arquitetura da mão,
cada um com seus segredos
e específica função.
 
Fala por nós sempre assim
o POLEGAR, ou “dedão”:
para cima, diz que é sim;
para baixo, diz que é não.
 
Seu vizinho – o INDICADOR –
assim se chama, em razão
de ser meio delator,
tipo “X-9” da mão.
 
Grande, robusto e imponente,
o MÉDIO, o maior dos dedos,
tendo fama de indecente
gera desejos ou medos.
 
Por sua vez, o ANULAR
tornou-se o da confiança,
por seu papel singular
de suporte de aliança.
 
O MÍNIMO é entanguido,
porém se mostra feliz,
limpando cera de ouvido
e meleca de nariz.     
 
Tudo é teórico. Então,
você – homem ou mulher –
faça dos dedos da mão
o uso que bem quiser.
 
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      ENXERTIA
 
 
 
Tu apenas me vias, bem igual
a mim que também mal te conhecia,
até que a sorte provocasse um dia
entre nós um encontro “casual”.
 
Foi esse encontro o passo inicial
para uma convivência em harmonia
da minha incontrolável ousadia
e o teu recato comportamental.
 
Dois simples talos de distintos ramos,
de aparente incompatibilidade,
nos atraímos e nos enxertamos.
 
E desde então, vamos crescendo unidos,
dando, no amor, sustentabilidade
aos novos ramos de nós dois nascidos.
 
 
 
 
 
   LAMENTOS ESCRITOS
 
 
Já fazendo um mês de ausência,
o que eu mais queria agora
era que me fosse dado
fechar os olhos e abri-los,
feliz da vida, a teu lado.
 
Ficar contigo na cama,
o amor a nos inspirar,
com excitantes arpejos,
uma recíproca troca
de mil abraços e beijos.
 
Usar minhas duas mãos
para acarinhar-te o rosto,
o pescoço, o ventre, os seios,
em suma, todo o teu corpo,
nós – a tudo mais alheios.
 
E não, tê-las como agora:
uma, empunhando a caneta,
que vai marcando o papel
com meus lamentos escritos,
por essa ausência cruel.
 
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ENTRE VITÓRIAS E DERROTAS
 
 
 
Sei caminhar descalço, numa boa,
Sempre que são de chão macio as rotas.
Pisar pedras, porém, não me atordoa,
Pois para isso calço minhas botas.
 
Por vitórias, minh’alma não entoa
O canto das vanglórias idiotas,
Porque, a exemplo de qualquer pessoa,
Também costumo ter minhas derrotas.
 
Mas, se caio e na queda me espedaço,
Nunca me abato, não me entrego ao pranto,
Nem fico a lamentar o meu fracasso.
 
Mesmo caído, tento dar um jeito
De juntar meus pedaços, e levanto
Assim que me apercebo já refeito.
 
 
 
 
    CHORO SECO
 
Encostei-me no espinheiro
E me feri nos espinhos.
Culpa minha,
Por passar onde ele estava?
Ou culpa dele,
Por estar onde eu passava?
Não recordo, realmente,
Se fiz tais indagações.
Só sei que soltei um grito,
Senti dor e até chorei
Do jeito que sei chorar...
 
Não cortei o espinheiro,
Deixei-o quieto em seu canto...
Depois de uns dois ou três meses,
Passei por ele de novo
E o vi triste e quase morto,
No mesmo lugar, fincado
No chão duro feito pedra
E seco de fazer dó...
 
Mais uma vez eu chorei
Do jeito que sei chorar...
Não caíram de meus olhos
Lágrimas para ajudar,
Mesmo de forma minúscula,
A molhar o espinheiro.
Porém não foi em revanche
Por ele me ter ferido,
Sim, porque só aprendi
A chorar um choro seco,
Que dói mais que outro qualquer...
 
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REFLEXÕES (EM OUTRO PLANO)
 
 
 
Imaginei-me ao lado do Senhor,
no outro plano, a buscar em minha história
se o que Ele me ensinara sobre o amor
pude aplicar na humana trajetória.
 
Conferi tudo, sem tirar nem pôr,
e concluí ter sido meritória
minha acolhida para o esplendor
da vida, no imortal Reino da Glória.
 
Isso inferi, em face do prazer
que eu sentia, ao deitar-me, consciente
de que amei sem retorno pretender,
 
como recomecei cada manhã,
feliz, minha missão de encontrar gente
para amar, cada vez com mais afã!
 
 
 
 
       POTENCIAL
 
 
 
Vida, palco de cenas conflitantes,
no qual o personagem, feito ator,
deve atuar tornando-se vetor
só do bem, para si e os semelhantes.
 
Mas é preciso que se cure, antes,
de todo vício que possa supor
capaz de provocar o desamor,
como o egoísmo e suas variantes...
 
Quanto a mim, aprendi o uso perfeito
da droga certa para cada mal,
longe dos chás de duvidoso efeito.
 
E já posso, por minhas atitudes,
acreditar no meu potencial
para ser praticante de virtudes.
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   TUDO POR AMOR
 
 
 
Se hoje posso fazer seja o que for
como prova de quanto te mereço,
para nunca perder o teu amor,
decerto, pagaria qualquer preço.
 
Poderia mudar a forma e a cor 
de tudo e virar tudo pelo avesso;
seria, mesmo, até capaz de pôr
o fim e o meio antes do começo.
 
Se porventura, por ter-me excedido
nesse te amar, me fosse conferida
uma das formas de letal castigo,
 
no instante do meu último pedido
suplicaria um dia mais de vida
para  de amor eu me exaurir contigo!
 
 
 
 
SEM INSPIRAÇÃO
 
Até agora tenho me sentido
um tanto diferente
do que costumo ser.
 
Impotente para empunhar a pena,
assim completamente
cego, surdo e mudo
para a poesia,
estava esquecido
de que hoje dei o dia de folga
ás minhas musas...
 
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DUAS PARTES
 
Se realmente sou poeta
como dizem por aí,
pertenço ao grupo daqueles
que pouco saem do chão,
pois libero apenas a parte menor
do que em mim sente e pensa,
para voos em busca de poesia
em mundos abstratos.
 
A outra é a parte intrínseca,
a que jamais se desgruda de mim,
por estar sempre envolvida comigo
na poesia que se materializa,
de instante a instante,
em minhas relações com gente
– meus iguais neste mundo real
em que a vida me ocorre.
 
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       SER FELIZ
 
 
 
Ninguém no mundo sabe, na verdade,
Um conceito que a torne definida,
mas todos buscam a felicidade,
por entendê-la imprescindível à vida.     
 
Ser feliz!... Ideal feito vontade,
na qual toda pessoa em si lapida
essa esperança de que, um dia, há de
ver a vontade em fato convertida. 
 
No meu afinco para ser feliz
de cada desprazer fiz um prazer,
de cada pesadelo também fiz
 
um sonho, leve de sonhar e lindo,
razão por que todos me podem ver,
até quando a dormir, sempre sorrindo!
 
 
 
 
BORBOLETA
 
Que sempre haja flores
por onde eu deva passar!
 
Se fosse
para eu não voar,
para não misturar
minhas cores
às cores das flores,
para não me inebriar
com o encanto
e o perfume delas,
Deus jamais teria permitido
que eu saísse do casulo...
 
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QUADRINHA
 
Se poeta é fingidor,
confesso que já fingi,
porém, quanto ao meu amor,
nunca finjo para ti.
 
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       CRISTÃO
 
 
 
Há muita gente que frequenta igreja,
encena fé, ouve sermões e ora,
mas humilha os irmãos e os apedreja,
sem qualquer compaixão, quando aqui fora.
 
Essa espécie de gente malfazeja,
em sua hipocrisia, ainda arvora
o seu orgulho disso, e não se peja
de dizer-se cristão, a toda hora.
 
Saiba essa gente que cristão é quem,
sem o vaidoso afã de ser notado,
aqui se vota a semear o bem.
 
Pois o bem semeado, julgo eu,
é o passaporte para o outro lado
da vida, que Jesus nos prometeu.
 
 
 
 
POENTE VISTO DA PONTE
 
 
 
Quando em meus fins de tarde me revelo
com certa irritação em mim acesa,
em razão das pancadas que o martelo
dos deveres me aplica com dureza,
 
logo do estresse me desencastelo,
se deixo minha mente apenas presa
ao que de doce e essencialmente belo
sou capaz de enxergar na natureza.
 
Então me ponho a olhar de sobre a ponte,
em céu enrubescido, o sol se indo,
aos poucos, para a linha do horizonte,
 
até o instante de ele me causar
essa impressão de que – tão calmo e lindo –
escorrega do céu e cai no mar!...
 
 
 
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[Lago, Kleber. Amar e Escrever. São Luís: KCL, 2014]

 
Agradeço a atenção dos leitores!
 

Kleber Lago


© Todos os direitos reservados ao autor.

 

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