domingo, 1 de abril de 2012

ZÉ DO SACO (de Os Loucos de Minha Terra)

(Prefeitura de Pedreiras-MA  em cuja entrada se alojava Zé do Saco)

Dando continuidade às publicações de Os Loucos de Minha Terra, chegou a vez da postagem sobre Zé do Saco, a mais romântica e quixotesta das figuras folclóricas da vida pedreirense, eleitas personagens do poema-livro. Uma figura humana, cuja “loucura” o levava a fantasiar e a descrever, aos que lhe emprestassem os ouvidos, uma vida de lutas e aventuras pela conquista do coração da linda princesa Rosa, a quem não deixava de enviar mensagens musicais, por meio dos serviços de alto-falantes então existentes na cidade, no que gastava todos os trocados que as almas caridosas punham em suas mãos.    

                                                    X – ZÉ DO SACO
Toda vez que passo em frente
do nosso lindo e imponente
palácio municipal,
vem-me à mente, num instante,
o retrato hilariante
de um louco sentimental.

Aquele que, bem ali,
por várias vezes, ouvi
falar, em tom de franqueza,
da imaginária aventura
em que vivia, à procura
de sua amada princesa.

Refiro-me a Zé do Saco,
tipo raquítico e fraco,
pobre quanto quixotesco,
e cuja “triste figura”,
na catedral da loucura
ganhou direito a afresco.

Advém o apelido
de seu alforje puído,
cheio de velhos jornais.
Mas, segundo ele afirmava
– papéis em que registrava
seus feitos fenomenais.

Sonhando, sempre sonhando,
nosso herói ia narrando
toda a sua estória, assim
de um modo lento e tranquilo,
dando sinais de que aquilo
jamais chegaria ao fim.

Relatava que saíra
do “Reino de Sucupira”,
a fim de pedir a mão
da casta princesa Rosa,
a donzela graciosa
filha do Rei Salomão.

(Não se está tratando aqui
do sucessor de Davi
que sucedera a Saul.
Mas sim, do dono das “Minas”
e senhor das “Águas Finas”
do “Reino da Pedra Azul”).
... Ele falava de fadas,
de três serpentes aladas
e de uma bruxa horrorosa,
procedente de além-mar,
que aqui viera encantar
a linda princesa Rosa.

Dizia que, no caminho,
se perdera e que sozinho,
por mais de noventa sóis,
travara lutas renhidas,
todas por ele vencidas,
contra o “Reino dos Lençóis”.

Por fim, explicava o plano
para vencer o tirano
de “Cachoeira do Sul”,
o seu rival na carreira
pela conquista da herdeira
do trono de “Pedra Azul”.

A estória só tinha pausa
quando a dor que a fome causa
o arrancava do fascínio,
a lhe ordenar, sem manobras,
que fosse comer as sobras
da pensão do Patrocínio.

Ele atendia. Em seguida,
uma rápida saída
para pedir uns trocados
que, nos serviços de som
do Betinho e do Milfont,
seriam logo aplicados.

Fundo musical no ar,
quedava mudo a escutar
a completa locução
da mensagem carinhosa,
por ele enviada a Rosa
“com muito amor e paixão”.

O que fazia num dia
no outro ele repetia.
Viveu, pois, dias iguais,
com duas marcas notórias:
as fabulosas estórias
e as mensagens musicais.

(Lago, Kleber. Os Loucos de Minha Terra. São Luís: KCL, 2007)

Quero repetir aqui que os termos “louco” e “loucura” não estão empregados em seu sentido real e que a minha intenção, ao escrever o poema, longe de ridicularizar, foi mostrar certas diferenças de comportamento dessas pessoas em relação ao das que são consideradas sãs, o que marcou de forma indelével a passagem delas na vida de Pedreiras.

Dei aos meus “loucos” o devido respeito e fiz questão de referir-me à “loucura” como algo a que todos nós estamos sujeitos, incluindo-me também entre Os Loucos de Minha Terra, conforme se pode observar na Introdução do poema:

Poeta, médico e louco / todos nós somos um pouco. / Eis uma verdade pura / que Erasmo já conhecia, / ao fazer com maestria / O Elogio da Loucura. //
Loucura é mal necessário / nesse humano itinerário. / E afirmo que ninguém há de / viver, que seja um segundo, / sem se deparar no mundo / com alguma insanidade. //
Houve loucos governantes; / loucos guerreiros, amantes; / e loucos que, por seus feitos, / se tornaram grandes gênios / e vão ser, pelos milênios, / lembrados como perfeitos. //
Se a loucura quer alguém, / chega e não escolhe quem. / Não poupou nem a Jesus / que, diante dos filhos seus, / muito embora fosse Deus, / se deixou pregar na cruz. //
[...] No poema homenageio / os loucos que, em nosso meio, / “lunatizaram”. E, assim, a homenagem que lhes faço / também alcança um pedaço / do louco que existe em mim.

A leitura de “Os Loucos de Minha Terra” requer, pois, o mesmo respeito que tive e tenho à memória de seus personagens. Obrigado!   

                                        Kleber Lago

5 comentários:

  1. Já li e reli o livro todo. Esse poema é sua obra prima.
    Calos Borges

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  2. Me encanta a Obra deste moço.
    Me inspira cada vez que tomo uma dose dessa cachaça.
    Pena que em minha coleção não tenho um deste gênio pedreirense.

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    1. Ainda este mês irei a Pedreiras. Avisarei a data pelo Face. Procure-me e receberá um pacote com alguns dos meus livros, inclusive Os Loucos de Minha Terra. Um grande abraço de quem está longe da genialidade.

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  3. Ah...! Meu irmào! Ainda bem que nós, filhos de Pedreiras, temos você para alimentar a chama acesa da história e do folclore de Pedreiras, sem deixar que ela se apague. Abrs.
    JOSÉ MARTINS (ZÉ BUÍ)

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  4. Aos que tentarem criticar os loucos e suas loucuras ou os menos loucos que os retratam tal o poeta acima deixo aqui um alerta:

    Ai de nós se não fossem os delirantes pensamentos dos ditos descompensados mentais, pois são os próprios que desde os anais constroem nossa história reptindo as lendas , epopeias, odisseias que firmam a tradição e cultura de um povo.

    Belíssimo texto. Parabéns e que os chatos pés no saco vão encher o saco de outro.

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