Já pude explicar que a edição única do livro Os Loucos de minha Terra teve tiragem limitada (1.000 exemplares), acrescentando que, em razão de uma demanda não esperada, fui levado a reproduzir o poema, graficamente condensado, nos livros que vieram depois: Da Cidade, da Pedra e do Rio e Menções, Cantos e Louvores, ambos de conteúdos relacionados a Pedreiras e à vida de seu povo.
Mas “Os Loucos” viraram uma verdadeira loucura. Imagino que aqueles a quem enviei exemplares dos três livros foram fazendo comentários a outros, do que resultou uma avalanche de pedidos que não pude atender.
Com a criação deste blog, resolvi que faria publicações periódicas de capítulos do livro, como forma de propiciar aos interessados a leitura sobre pessoas que passaram a integrar o folclore da cidade, eleitas personagens desse poema, que veio a se tornar objeto de estudos, artigos e monografias, muito embora minha pretensão, ao escrevê-lo, tivesse sido tão-somente a de resgatar a história de seres humanos que, com seus comportamentos fora de padrão, encheram de beleza e poesia a vida de nossa querida terra.
Depois de JARDELINA (postagem de 4/12/2011), chega a vez de outra figura, cuja história revela uma forma de loucura inofensiva e tão espontaneamente lírica quanto à da primeira.
XI – FAUSTINO CACETE
Com as duas ancoretas (bem escuras, quase pretas) sobre as costas do jumento, Faustino Cacete tinha que sair, de manhãzinha, a lutar pelo sustento. Era ele um aguadeiro que, de janeiro a janeiro, água do rio vendia, tendo feito na cidade, pela pontualidade, uma boa freguesia. Borgneth, Arnaldo, Costinha, Doutor Lago, Bezerrinha, Zinor, João Chaves e Lino foram, lá naqueles idos, alguns entre os mais servidos pelo aguadeiro Faustino. Mas vamos deixar de lado esse lado equilibrado do Faustino na labuta, e passemos bem depressa ao que aqui nos interessa: a sua face biruta. O Faustino sonhador, que se julgava cantor e disso não tinha nada, pois sua voz, realmente, não passava de estridente som de taquara rachada. O pobre coitado, quando não estava trabalhando, se ocupava em decorar | letras de algumas canções que vinham nas edições da Modinha Popular. No peito trazia, vivo, o desejo obsessivo de cantar na Voz Mearim, bem longe de perceber que o seu desejo ia ser concretizado, por fim. ... Na noite que combinamos, nós, cerca de dez, levamos Faustino ao Bairro Paris para o seu show tão sonhado, no programa comandado por Baima e Plínio Roriz. Ele iniciou cantando Acauã, quase berrando. Outra, mais uma e, em seguida, o fim da apresentação. Igual desafinação nunca se viu nessa vida! Isso foi só a partida, pois, com a nossa torcida, ele veio a se tornar, mesmo sem nenhum talento, maior, por um bom momento, do que a Laura Salazar. Em programa de calouros recebeu palmas e louros. Mérito pouco valia. O critério decisório era sempre o aclamatório, no que ninguém o vencia. | Feliz, ele acreditava na gozação e tomava todo aquele despautério – apresentações montadas, torcidas organizadas – como algo muito sério. A brincadeira, no entanto, um dia perdeu o encanto. Não houve mais nenhum show, nenhuma apresentação, nem torcida em ovação. Como Faustino ficou? O repentino abandono nunca lhe afetou o sono nem lhe causou atrapalho, pois, da noite para o dia, ele incluiu a mania na rotina do trabalho. E lá ia o aguadeiro, alegre como escoteiro em tarefa prazerosa, cantando e desafinando, desafinando e cantando, pelas ruas, todo prosa. Sem nada tirar nem pôr, manteve vivo o cantor que ele era, em pensamento. E foram anos seguidos de suplício, nos ouvidos do velho e fiel jumento. (LAGO, Kleber Cantanhede. Os Loucos de minha Terra. São Luís: KCL, 2007) |
Desejo agora agradecer à concludente do curso de Letras da FAESF, Raicley de Maria, a escolha de minha pequena obra para tema de sua monografia, em cuja elaboração foi orientada pelo Prof. Vinícius Pereira de Oliveira e recebeu a colaboração de minha mulher, Cláudia Arôso. Soube eu, por Samuel Barreto, que Raicley fez uma brilhante apresentação do seu trabalho monográfico, tendo-lhe sido atribuída nota máxima, pelo que lhe manifesto parabéns, em meu nome e em nome de Os Loucos de Minha Terra.
Kleber Lago
Só você, poeta, para criar um trabalho tão belo quanto provocador de análises, sob diversos aspectos!
ResponderExcluirMÁXIMO FIGUEIRA
O poema traduz a simplicidade de um trabalhador alegre e sonhador que cantava suas emoções e despertava camaradagem dos amigos jovens, inclusive do autor que não deixou de incluí-lo na sua obra e bem soube retratar o seu modo de ser e proceder, de forma humanamente lírica.
ResponderExcluirCláudia Aroso
Li Os Loucos de Minha Terra: obra-prima. Este texto, como todos os outros, dispensa comentários.
ResponderExcluirCarlos Borges
Neste blog li JARDELINA e agora FAUSTINO. Adorei! Vou ficar aguardando os outros personagens do livro.
ResponderExcluirSônia Martha
Uma construção muito boa, digna de ser lida.
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