sábado, 21 de janeiro de 2012

FAUSTINO CACETE (de Os Loucos de Minha Terra)

(Aguadeiro/"botador d'água")

Já pude explicar que a edição única do livro Os Loucos de minha Terra teve tiragem limitada (1.000 exemplares), acrescentando que, em razão de uma demanda não esperada, fui levado a reproduzir o poema, graficamente condensado, nos livros que vieram depois: Da Cidade, da Pedra e do Rio e Menções, Cantos e Louvores, ambos de conteúdos relacionados a Pedreiras e à vida de seu povo.
Mas “Os Loucos” viraram uma verdadeira loucura. Imagino que aqueles a quem enviei exemplares dos três livros foram fazendo comentários a outros, do que resultou uma avalanche de pedidos que não pude atender.
Com a criação deste blog, resolvi que faria publicações periódicas de capítulos do livro, como forma de propiciar aos interessados a leitura sobre pessoas que passaram a integrar o folclore da cidade, eleitas personagens desse poema, que veio a se tornar objeto de estudos, artigos e monografias, muito embora minha pretensão, ao escrevê-lo, tivesse sido tão-somente a de resgatar a história de seres humanos que, com seus comportamentos fora de padrão, encheram de beleza e poesia a vida de nossa querida terra.
                 Depois de JARDELINA (postagem de 4/12/2011), chega a vez de outra figura, cuja história revela uma forma de loucura inofensiva e tão espontaneamente lírica quanto à da primeira.


XI – FAUSTINO CACETE
Com as duas ancoretas
(bem escuras, quase pretas)
sobre as costas do jumento,
Faustino Cacete tinha
que sair, de manhãzinha,
a lutar pelo sustento.

Era ele um aguadeiro
que, de janeiro a janeiro,
água do rio vendia,
tendo feito na cidade,
pela pontualidade,
uma boa freguesia.

Borgneth, Arnaldo, Costinha,
Doutor Lago, Bezerrinha,
Zinor, João Chaves e Lino
foram, lá naqueles idos,
alguns entre os mais servidos
pelo aguadeiro Faustino.

Mas vamos deixar de lado
esse lado equilibrado
do Faustino na labuta,
e passemos bem depressa
ao que aqui nos interessa:
a sua face biruta.

O Faustino sonhador,
que se julgava cantor
e disso não tinha nada,
pois sua voz, realmente,
não passava de estridente
som de taquara rachada.

O pobre coitado, quando
não estava trabalhando,
se ocupava em decorar
letras de algumas canções
que vinham nas edições
da Modinha Popular.

No peito trazia, vivo,
o desejo obsessivo
de cantar na Voz Mearim,
bem longe de perceber
que o seu desejo ia ser
concretizado, por fim.

... Na noite que combinamos,
nós, cerca de dez, levamos
Faustino ao Bairro Paris
para o seu show tão sonhado,
no programa comandado
por Baima e Plínio Roriz.

Ele iniciou cantando
Acauã, quase berrando.
Outra, mais uma e, em seguida,
o fim da apresentação.
Igual desafinação
nunca se viu nessa vida!

Isso foi só a partida,
pois, com a nossa torcida,
ele veio a se tornar,
mesmo sem nenhum talento,
maior, por um bom momento,
do que a Laura Salazar.

Em programa de calouros
recebeu palmas e louros.
Mérito pouco valia.
O critério decisório
era sempre o aclamatório,
no que ninguém o vencia.     
Feliz, ele acreditava
na gozação e tomava
todo aquele despautério
– apresentações montadas,
torcidas organizadas –
como algo muito sério.

A brincadeira, no entanto,
um dia perdeu o encanto.
Não houve mais nenhum show,
nenhuma apresentação,
nem torcida em ovação.
Como Faustino ficou?

O repentino abandono
nunca lhe afetou o sono
nem lhe causou atrapalho,
pois, da noite para o dia,
ele incluiu a mania
na rotina do trabalho.

E lá ia o aguadeiro,
alegre como escoteiro
em tarefa prazerosa,
cantando e desafinando,
desafinando e cantando,
pelas ruas, todo prosa.

Sem nada tirar nem pôr,
manteve vivo o cantor
que ele era, em pensamento.
E foram anos seguidos
de suplício, nos ouvidos
do velho e fiel jumento.

(LAGO, Kleber Cantanhede. Os Loucos de minha Terra. São Luís: KCL, 2007)


Desejo agora agradecer à concludente do curso de Letras da FAESF, Raicley de Maria, a escolha de minha pequena obra para tema de sua monografia, em cuja elaboração foi orientada pelo Prof. Vinícius Pereira de Oliveira e recebeu a colaboração de minha mulher, Cláudia Arôso. Soube eu, por Samuel Barreto, que Raicley fez uma brilhante apresentação do seu trabalho monográfico, tendo-lhe sido atribuída nota máxima, pelo que lhe manifesto parabéns, em meu nome e em nome de Os Loucos de Minha Terra.
                                      Kleber Lago

5 comentários:

  1. Só você, poeta, para criar um trabalho tão belo quanto provocador de análises, sob diversos aspectos!
    MÁXIMO FIGUEIRA

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  2. O poema traduz a simplicidade de um trabalhador alegre e sonhador que cantava suas emoções e despertava camaradagem dos amigos jovens, inclusive do autor que não deixou de incluí-lo na sua obra e bem soube retratar o seu modo de ser e proceder, de forma humanamente lírica.

    Cláudia Aroso

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  3. Li Os Loucos de Minha Terra: obra-prima. Este texto, como todos os outros, dispensa comentários.

    Carlos Borges

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  4. Neste blog li JARDELINA e agora FAUSTINO. Adorei! Vou ficar aguardando os outros personagens do livro.

    Sônia Martha

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  5. Uma construção muito boa, digna de ser lida.

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