(Foto de março/2012-Rio)
PREFÁCIO
(continuação)
Cláudia
Arôso (*)
[...]
“Mas nada do que venho falando aqui sobre técnica, talento e expressividade significa
que Kleber Lago seja um gênio da poesia. Não, ele é apenas um ser humano
privilegiado que nasceu com o dom de versejar, como muitos outros por esse
mundo afora. Só que Kleber sabe se servir muito bem desse dom, quando se dedica
à atividade poética. E é preciso explicar que a poesia não lhe ocupa muito
tempo. Escrever versos se inclui em suas atividades de lazer, como beber uma
cervejinha gelada, bater um bom papo com amigos, fazer suas leituras, assistir
a um filme e ver os seus programas preferidos de TV.
É
o próprio Kleber quem declara, na sua extrema humildade de homem de vida
simples, que compõe poemas porque esse exercício lhe agrada e não lhe custa
muito esforço. E também porque, enquanto
exterioriza alguns de seus pensamentos para satisfação pessoal, pode dividir
com os outros esses pensamentos, organizados em livros ou folhetos, sem pensar
no custo da publicação e sem esperar retorno, em forma de louvor ou de outro
tipo de manifestação elogiosa.
É
o que ele volta a fazer com o lançamento de Sonetos que não estão no Caderno,
de conteúdo tão primoroso quanto o do Caderno de Sonetos. Com certeza
enviará graciosamente este novo livro aos amigos, que vão lê-lo e gostar da
leitura, sem nenhuma preocupação com contrapartida.
(*) Cláudia Maria Arôso Mendes Barbosa é licenciada em Letras - com
pós-graduação
em Docência Superior e em Gestão Pública.
24
LIVRE E SEM MEDOS
Se me vejo diante da evidência
De que armadilhas me prepara a sorte,
Não me altero e não tomo consciência
De que devo manter-me atento e forte.
Saindo à noite, evito a interferência
De sentimento de temor que importe
Na menor intenção de desistência,
Mesmo que esse temor seja o da morte.
Sinto-me livre, peito exposto ao ar,
Às vezes, sem pensar no que procuro
E sem saber se estou na rota certa.
No entanto, se preciso me abrigar
Contra um perigo eventual do escuro,
Encontro sempre alguma porta aberta.
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25
A CIDADE, A PEDRA E O RIO
Silenciosamente,
a pedra vela
A
terra a que deu nome e o velho rio
Que
não se entrega à morte e ainda revela
Muita
pujança em seu correr macio.
Tenho
louvado a tríade tão bela
Com
fervor e emoção, anos a fio,
Embora
não esteja à altura dela
Os
poemas medíocres que crio.
Pedreiras,
Pedra Grande, Mearim...
Cantá-los
não compete só a mim.
Também
não é meu canto o mais bonito.
Mas
cumpro a minha parte e dou um jeito
De
transportar o amor que há no meu peito
Para
o que sobre os três eu tenho escrito.
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26
PARTIDA
COPULSÓRIA
A presença
da seca se repete
Com
constância que afeta, desordena
A vida no
sertão, e compromete
A crença em
que estar vivo vale a pena.
Não chega a
solução que se promete...
Preces
feitas à Virgem Nazarena
Perdem-se em
vão, e a sorte pinta o sete
Na terra que
à desdita o céu condena.
Ao ver que
dia a dia a seca avança,
O homem do
Nordeste brasileiro,
Pra não
morrer de fome, sede e peste,
Parte de sua
terra, na esperança
De se tornar
servente de pedreiro
Numa grande
cidade do Sudeste.
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27
PREGUIÇA MENTAL
Meu
grande amigo João de Sá Barrêto
Antes
fazia versos tão bonitos,
Mostrando
um lado lírico, em soneto,
E
um satírico fel, noutros escritos.
Dele
não vejo mais nenhum folheto.
Nem
recentes poemas manuscritos.
Parece
que ele se isolou num gueto
Destinado
aos poetas já proscritos.
Sei
que não é por falta de talento,
Pois
talento ele tem até de sobra.
Digo,
então, que seu estro não se atiça
Porque
ele está vivendo o tal momento
Em
que o artista as costa vira à obra,
Simplesmente
por causa da preguiça.
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28
O QUE QUERO PARA O AMANHÃ
Eu chego às
portas dos setenta anos
Com alegria,
mas sem alvoroço.
Trago comigo
o espírito inda moço,
Mesmo sendo
um dos vates veteranos.
Convivo bem
com meus irmãos humanos,
Mas não
ingiro o que imagino insosso
E nunca vou
curvar o meu pescoço
A vontades
impostas por tiranos.
Se estou
certo de que hoje me convém
Repetir
muitas coisas que fiz ontem,
Eu espero,
amanhã, viver também
O que reste,
de um jeito que me agrade,
Sem temer
adversos que me afrontem
Os preceitos
de vida e liberdade.
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29
MESMO SEM MOTIVO
Ao meu amigo
Joaquim Filho
Quero,
como você, viver Pedreiras
Com
todo o encanto que consigo ver
No
sibilo do vento nas palmeiras
E
no canto das águas a correr.
Vivê-la,
sim, de todas as maneiras
Que
me façam sentir paz e prazer:
No
calor de amizades verdadeiras
Que,
a cada instante, a gente pode ter;
No
gorjear dos passarinhos, quando
O
claro da manhã vem se mostrando;
No
por do sol; no movimento ativo
Das
pessoas fazendo o dia a dia...
Mas
juro que também a viveria
Se
não houvesse um único motivo.
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30
RAZÃO MAIOR
Na rua, no
trabalho ou no lazer,
Ele anda a
sorrir e tudo faz
Para a vida
amorosa parecer
O sonho
venturoso dos casais.
Nunca deixa
um amigo perceber
Que a mulher
seus carinhos não quer mais
E que evita
sentir qualquer prazer
Em suas
raras conjunções carnais.
Mas ele
aceita tudo, conformado.
Pois, se a
mulher se nega aos seus desejos,
Utilizando
muito mais a cama
Para dormir
apática ao seu lado,
No resto,
mostra exemplos tão sobejos
Como provas
cabais de quanto o ama.
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31
ANSIEDADE
Mal
me recolho ao leito, um forte vento
faz
a cortina farfalhar, invade
e
perturba o silêncio no qual tento
achar
um pouco de tranquilidade.
Eu
volto a perceber meu pensamento
fixo
em ti, na mesma ansiedade,
na
mesma sensação de sofrimento,
sob
os mesmos açoites da saudade.
Os
noturnos fantasmas fazem festa,
zombam,
gargalham e, passando perto
de
minha cama, puxam-me os cabelos.
E,
enquanto o horror a minha noite infesta,
sem
nenhum medo fico ali, desperto,
entregue
à sanha desses pesadelos.
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32
O
QUE SE PERDE NA VIDA
Muita
lembrança boa ainda me resta
Das noites
que na minha juventude
Eu
desfrutei, em toda a plenitude
De um clima
alegre e cálido de festa.
Dancei, bebi
cerveja, fiz seresta
E com farras
gastei o quanto pude.
Até mesmo
pequei contra a virtude,
Mas por
vontade própria e manifesta.
Nunca vou me
zangar com quem presuma
Que aquelas
foram só noites perdidas,
Porque bem
sei que não perdi nenhuma.
Na vida só
se perde, na verdade,
O que não
traz recordações queridas,
Coisas que a
gente faz contra a vontade.
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33
TRISTE
REALIDADE
O
peixe dá o pão ao pescador.
Mas,
hoje, encontrar peixe em nosso rio
É,
decerto, o mais duro desafio
Que
ele tem de enfrentar em seu labor.
Desde
o nascer ao pôr do sol – calor.
Daí
até a madrugada – frio.
E
depois da jornada, o dissabor
De
voltar com o casco ainda vazio...
O
velho rio, antes caudaloso,
Era
o mais rico em vida, os mais piscoso
De
toda a região do Meio-Norte.
Continua
inspirando devaneios...
Mas
é mais um dos nossos grandes veios
Que
o ser humano condenou à morte.
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34
DEIXEM TUDO COMO ESTÁ
Por
que mudar as formas costumeiras
De
louvor da cidade ao Benedito?
Tradições
seculares de Pedreiras
Não
se podem tratar como delito.
Ondas
sonoras – da fé mensageiras,
Foguetório,
alvorada ou outro rito
Desse
festejo, em décadas inteiras,
Nunca
causaram dano nem conflito.
O
caso envolve tradições, e penso
Que
deve ser tratado com desvelo
E
uso equilibrado de bom senso.
Nesse
sentido, eu espalhei por lá
Um
livreto, contendo o meu apelo
Para
que “Deixem tudo como está”.
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35
PRETENSÃO
Eu
vim até aqui, pisando cada
Metro
de trilha, sem nenhum lamento.
E
vou chegar ao fim dessa jornada
Mostrando
ao mundo meu contentamento.
Se
fiz na vida alguma coisa errada,
Não
foi por mal, mas por ser desatento
Aos
conceitos de erro, porque nada
Faço
movido por maldoso intento.
Enchi
de amor e versos os espaços
Por
onde livre conduzi meus passos,
Tendo
uma simples pretensão em mente:
Ser
só mais um poeta entre os pequenos,
E
a pessoa que sou, nem mais nem menos,
Capaz
de amar a vida intensamente.
|
© Lago,
Kleber. Sonetos que não estão no Caderno. São Luís: KCL, 2010.
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