quinta-feira, 13 de setembro de 2018

SONETOS DE ONTEM E DE HOJE PARA SEMPRE VII - Textos do livro Sonetos que não estão no Caderno (parte final)

(Foto de março/2012-Rio)

PREFÁCIO (continuação)
                                                                            
                                                                             Cláudia Arôso (*)

[...] “Mas nada do que venho falando aqui sobre técnica, talento e expressividade significa que Kleber Lago seja um gênio da poesia. Não, ele é apenas um ser humano privilegiado que nasceu com o dom de versejar, como muitos outros por esse mundo afora. Só que Kleber sabe se servir muito bem desse dom, quando se dedica à atividade poética. E é preciso explicar que a poesia não lhe ocupa muito tempo. Escrever versos se inclui em suas atividades de lazer, como beber uma cervejinha gelada, bater um bom papo com amigos, fazer suas leituras, assistir a um filme e ver os seus programas preferidos de TV.
É o próprio Kleber quem declara, na sua extrema humildade de homem de vida simples, que compõe poemas porque esse exercício lhe agrada e não lhe custa muito esforço.  E também porque, enquanto exterioriza alguns de seus pensamentos para satisfação pessoal, pode dividir com os outros esses pensamentos, organizados em livros ou folhetos, sem pensar no custo da publicação e sem esperar retorno, em forma de louvor ou de outro tipo de manifestação elogiosa.
É o que ele volta a fazer com o lançamento de Sonetos que não estão no Caderno, de conteúdo tão primoroso quanto o do Caderno de Sonetos. Com certeza enviará graciosamente este novo livro aos amigos, que vão lê-lo e gostar da leitura, sem nenhuma preocupação com contrapartida.

(*)  Cláudia Maria Arôso Mendes Barbosa  é licenciada  em  Letras - com  pós-graduação
em  Docência Superior e em Gestão Pública.

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     LIVRE E SEM MEDOS

Se me vejo diante da evidência
De que armadilhas me prepara a sorte,
Não me altero e não tomo consciência
De que devo manter-me atento e forte.

Saindo à noite, evito a interferência
De sentimento de temor que importe
Na menor intenção de desistência,
Mesmo que esse temor seja o da morte.

Sinto-me livre, peito exposto ao ar,
Às vezes, sem pensar no que procuro
E sem saber se estou na rota certa.

No entanto, se preciso me abrigar
Contra um perigo eventual do escuro,
Encontro sempre alguma porta aberta.

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    A CIDADE, A PEDRA E O RIO

Silenciosamente, a pedra vela
A terra a que deu nome e o velho rio
Que não se entrega à morte e ainda revela
Muita pujança em seu correr macio.

Tenho louvado a tríade tão bela
Com fervor e emoção, anos a fio,
Embora não esteja à altura dela
Os poemas medíocres que crio.

Pedreiras, Pedra Grande, Mearim...
Cantá-los não compete só a mim.
Também não é meu canto o mais bonito.

Mas cumpro a minha parte e dou um jeito
De transportar o amor que há no meu peito
Para o que sobre os três eu tenho escrito.


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       PARTIDA COPULSÓRIA

A presença da seca se repete
Com constância que afeta, desordena
A vida no sertão, e compromete
A crença em que estar vivo vale a pena.

Não chega a solução que se promete...
Preces feitas à Virgem Nazarena
Perdem-se em vão, e a sorte pinta o sete
Na terra que à desdita o céu condena.

Ao ver que dia a dia a seca avança,
O homem do Nordeste brasileiro,
Pra não morrer de fome, sede e peste,

Parte de sua terra, na esperança
De se tornar servente de pedreiro
Numa grande cidade do Sudeste.

27
            PREGUIÇA MENTAL

Meu grande amigo João de Sá Barrêto
Antes fazia versos tão bonitos,
Mostrando um lado lírico, em soneto,
E um satírico fel, noutros escritos.

Dele não vejo mais nenhum folheto.
Nem recentes poemas manuscritos.
Parece que ele se isolou num gueto
Destinado aos poetas já proscritos.

Sei que não é por falta de talento,
Pois talento ele tem até de sobra.
Digo, então, que seu estro não se atiça

Porque ele está vivendo o tal momento
Em que o artista as costa vira à obra,
Simplesmente por causa da preguiça.


                                                                              28
   O QUE QUERO PARA O AMANHÃ

Eu chego às portas dos setenta anos
Com alegria, mas sem alvoroço.
Trago comigo o espírito inda moço,
Mesmo sendo um dos vates veteranos.

Convivo bem com meus irmãos humanos,
Mas não ingiro o que imagino insosso
E nunca vou curvar o meu pescoço
A vontades impostas por tiranos.

Se estou certo de que hoje me convém
Repetir muitas coisas que fiz ontem,
Eu espero, amanhã, viver também

O que reste, de um jeito que me agrade,
Sem temer adversos que me afrontem
Os preceitos de vida e liberdade.

29
             MESMO SEM MOTIVO
                     Ao meu amigo Joaquim Filho

Quero, como você, viver Pedreiras
Com todo o encanto que consigo ver
No sibilo do vento nas palmeiras
E no canto das águas a correr.

Vivê-la, sim, de todas as maneiras
Que me façam sentir paz e prazer:
No calor de amizades verdadeiras
Que, a cada instante, a gente pode ter;

No gorjear dos passarinhos, quando
O claro da manhã vem se mostrando;
No por do sol; no movimento ativo

Das pessoas fazendo o dia a dia...
Mas juro que também a viveria
Se não houvesse um único motivo.


                                                                              30
           RAZÃO MAIOR

Na rua, no trabalho ou no lazer,
Ele anda a sorrir e tudo faz
Para a vida amorosa parecer
O sonho venturoso dos casais.

Nunca deixa um amigo perceber
Que a mulher seus carinhos não quer mais
E que evita sentir qualquer prazer
Em suas raras conjunções carnais.

Mas ele aceita tudo, conformado.
Pois, se a mulher se nega aos seus desejos,
Utilizando muito mais a cama

Para dormir apática ao seu lado,
No resto, mostra exemplos tão sobejos
Como provas cabais de quanto o ama.

31
             ANSIEDADE

Mal me recolho ao leito, um forte vento
faz a cortina farfalhar, invade
e perturba o silêncio no qual tento
achar um pouco de tranquilidade.

Eu volto a perceber meu pensamento
fixo em ti, na mesma ansiedade,
na mesma sensação de sofrimento,
sob os mesmos açoites da saudade.

Os noturnos fantasmas fazem festa,
zombam, gargalham e, passando perto
de minha cama, puxam-me os cabelos.

E, enquanto o horror a minha noite infesta,
sem nenhum medo fico ali, desperto,
entregue à sanha desses pesadelos.


                                                                              32
      O QUE SE PERDE NA VIDA

Muita lembrança boa ainda me resta
Das noites que na minha juventude
Eu desfrutei, em toda a plenitude
De um clima alegre e cálido de festa.

Dancei, bebi cerveja, fiz seresta
E com farras gastei o quanto pude.
Até mesmo pequei contra a virtude,
Mas por vontade própria e manifesta.

Nunca vou me zangar com quem presuma
Que aquelas foram só noites perdidas,
Porque bem sei que não perdi nenhuma.

Na vida só se perde, na verdade,
O que não traz recordações queridas,
Coisas que a gente faz contra a vontade.

33
       TRISTE REALIDADE

O peixe dá o pão ao pescador.
Mas, hoje, encontrar peixe em nosso rio
É, decerto, o mais duro desafio
Que ele tem de enfrentar em seu labor.

Desde o nascer ao pôr do sol – calor.
Daí até a madrugada – frio.
E depois da jornada, o dissabor
De voltar com o casco ainda vazio...

O velho rio, antes caudaloso,
Era o mais rico em vida, os mais piscoso
De toda a região do Meio-Norte.

Continua inspirando devaneios...
Mas é mais um dos nossos grandes veios
Que o ser humano condenou à morte.  


                                                                              34
    DEIXEM TUDO COMO ESTÁ

Por que mudar as formas costumeiras
De louvor da cidade ao Benedito?
Tradições seculares de Pedreiras
Não se podem tratar como delito.

Ondas sonoras – da fé mensageiras,
Foguetório, alvorada ou outro rito
Desse festejo, em décadas inteiras,
Nunca causaram dano nem conflito.

O caso envolve tradições, e penso
Que deve ser tratado com desvelo
E uso equilibrado de bom senso.

Nesse sentido, eu espalhei por lá
Um livreto, contendo o meu apelo
Para que “Deixem tudo como está”.

35
             PRETENSÃO

Eu vim até aqui, pisando cada
Metro de trilha, sem nenhum lamento.
E vou chegar ao fim dessa jornada
Mostrando ao mundo meu contentamento.

Se fiz na vida alguma coisa errada,
Não foi por mal, mas por ser desatento
Aos conceitos de erro, porque nada
Faço movido por maldoso intento.

Enchi de amor e versos os espaços
Por onde livre conduzi meus passos,
Tendo uma simples pretensão em mente:

Ser só mais um poeta entre os pequenos,
E a pessoa que sou, nem mais nem menos,
Capaz de amar a vida intensamente.
 

© Lago, Kleber. Sonetos que não estão no Caderno. São Luís: KCL, 2010.

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