quarta-feira, 11 de julho de 2018

SONETOS DE ONTEM E DE HOJE PARA SEMPRE III - Textos do livro Caderno de Sonetos (Parte 1)








O CADERNO DE UM POETA - trechos
                                       José Chagas *

[...] “E o que logo se pode dizer é que ele, indiferente aos poetas que, hoje em dia, torcem o nariz para o soneto, revela-se um sonetista dos mais hábeis, obedecendo rigorosamente às regras fixadas, com um surpreendente domínio do que já parece ter como ofício. Até se torna evidente que, em nossos tempos, diante do menosprezo que alguns têm para com essa fixa estrutura poemática, não se precisa não só de talento, mas também de coragem.
Kleber Lago tem as duas coisas. Disse-me que praticamente faz versos, dede quando criança. E realmente deixa-nos a impressão de que brinca de sonetear, com tantra facilidade que às vezes corre o risco de prejudicar a tessitura de alguns versos, na espontânea força de sua expressividade. Porque ele, sem nenhuma dúvida, é o artesão perfeito do soneto tecnicamente perfeito, inclusive com extraordinários recursos para solução de alguns problemas de rima. Se nesse seu caderno, alguns sonetos são resultado de mais habilidade do que propriamente de emoção estética, o que importa é que em sua grande maioria, temos belos artefatos poéticos, legitimados por um sadio fluxo de natureza lírica, na linha de um sonetista dos melhores que temos". [...]

*José Chagas(†)
Da Academia Maranhense de Letras

1
                 SONETOS

Os sonetos que escrevo são pedaços
de expressão da poesia que povoa
momentos que atravesso sem fracassos
nessa jornada que não faço à toa.

São imagens poéticas dos laços
que me ligam somente à banda boa
da vida, onde caminha a firmes passos
a parte do meu eu que ama e perdoa.

Meus sonetos traduzem explosões
de diversificadas emoções
que do íntimo arranco e ponho em cima

de folhas de papel – organizadas
em linhas muito bem metrificadas
e enriquecidas de cadência e rima.
2
                    ESTILO

Eu não desejo a perfeição suprema,
Mas venho impondo à vida o meu estilo.
E, se acaso me surge algo que eu tema,
Ganho força e ante o medo não vacilo.

Toda vez que me encontro num dilema,
No instante da opção, fico tranquilo.
Quando não sei solver certo problema,
Escolho amigos com quem dividi-lo.

Num mar de dúvidas, procuro um porto
Onde a certeza se faça presente.
Se morre um sonho, me conformo e calo.

Mas das cinzas de cada sonho morto
Eu crio um novo sonho e sigo em frente,
Buscando o meio de concretizá-lo.
  

3
                 NOTURNO

Quando o dia escurece, logo cedo
Eu me recolho ao quarto e abro a janela
Para deixar a noite entrar por ela
E vivê-la sem traumas e sem medo.

São momentos de êxtase sem fim!
Eu, na quietude, a me embalar na rede...
Os astros projetando na parede
Um bailado de sombras ante mim...

Portadora de paz, ternura e encanto,
Cada noite que adentra meu recanto
Enche-me a alma de suavidade.

E, nessa calma, posso perceber
Muita coisa do fundo do meu ser
Que não consigo ver na claridade!
 
4
           PAIXÃO IMORTAL

Tinha pele morena e olhos de gueixa
Alguém que amei nos tempos de rapaz.
Seu beijo era tão doce, como ameixa
Com divino sabor de quero mais!

Tê-la perdido não me inspirou queixa.
E, confesso, pensei que ela jamais
Viesse a ser a sombra que me deixa
Sem um dia sequer de plena paz.

Onde eu esteja, é só ouvir-lhe o nome,
Que no meu peito reacende a chama
Da paixão imortal que me consome.

Uma saudade intensa me balança.
E um demônio da mente logo trama
Um reencontro nosso na lembrança!


5
           CONTENTAMENTO

Não me digas, meu Deus, que andei errado
Por ter vivido tão intensamente
Venturas e delícias do passado
Que ainda fantasio em meu presente!

Não me digas, Meu Deus, que estou cansado,
Que me resta bem pouco pela frente
E que já tenho de deixar de lado
Loucuras que cometo em minha mente!

Eu continuo andando entre as estrelas.
E me basta sentir certas vontades,
Fico na ânsia de satisfazê-las.

Assim, me dou ao sonho e me contento
Ao convencer-me de que são  verdades
Muitas coisas que faço em pensamento!

6
               A ROCHA

Aproveito a manhã ensolarada
E saio a esmo, a caminhar sozinho,
Tranquilamente, bem devagarzinho
Alheio ao rumo da pequena estrada.

Eis que uma rocha imensa e escarpada
Surge à margem direita do caminho.
Então, eu para ela me encaminho,
Decidido a fazer uma escalada.

Subo e vou encontrar no alto da rocha
Tenro botão de flor que desabrocha
Numa planta que, ao sol, ali viceja.

Sinto que Deus, por meio dessa cena,
Quer mostrar-me que a vida vale a pena,
Por mais hostil que o ambiente seja!


7
                  O AMOR

Tudo em nosso redor muda, no dia
Em que o sinal do amor se manifesta.
O mundo para nós se fantasia
E a vida se transforma numa festa.

As tristeza e dores vão-se embora,
Dando vez à alegria e ao prazer.
Passamos a sentir, a cada hora,
Uma maior vontade de viver!

O amor é sempre assim: como uma prece
Que oramos com fervor, embevecidos,
Mas totalmente alheios à razão.

É que, quando na vida ele aparece,
A gente só consegue dar ouvidos
Aos apelos da voz do coração!

8
           ÁGUA E PEDRA

Minha cidade e seu formoso rio
Eu vejo como dois entes sagrados
Que estão, por laços íntimos ligados,
Numa espécie divina de amasio.

Reside em coisas simples e discretas
Toda a poesia vívida onde medra
O encanto desse idílio de água e pedra
Que inspira prosadores e poetas.

Um dia vim morar noutra cidade.
Dentro do coreação trouxe Pedreiras
E com ela arrastei o Mearim,

Cujas águas, nas horas de saudade,
Sinto correrem, mansas e fagueiras,
Por um vale de amor, dentro de mim!


9
                 COVARDIA

Demorou pouco para o lago ameno
Da vida se tornar um mar revolto,
Por causa de um amor intenso e solto,
Mas também carregado de veneno.

Por este amor, um outro eu enceno!
Pareço um fugitivo atrás de um couto,
Longe da paz em que me via envolto
E do semblante outrora tão sereno.

Percebo a cada dia, a cada hora,
Que os problemas do amor que vivo agora
Tornam-se mais difíceis e complexos.

Não lhes dou solução enquanto é cedo
Por covardia, traduzida em medo
De enfrentar no futuro os seus reflexos.

10
                  REFLEXÃO

Deus criou, sem ajuda ou parcerias,
O céu, a terra, o mar, a luz que brilha...
E fez toda essa imensa maravilha
Num trabalho de apenas sete dias.

Em águas, montes, vales, pradarias,
Deu vida a cada ser que cresce e afilha.
Fez surgir a energia, que fervilha
Até na flor de pétalas macias.

Homem, fui feito à sua semelhança.
Mas, à razão que minha vida avança
Pela reta que leva ao fim da estrada.

Vou percebendo quanto em mim condeno
O fato de ter sido tão pequeno
E de não ter criado quase nada.


11
           AO RIO DE JANEIRO

Rio, tu és uma lembrança forte
Que conservo bem viva na memória.
Minha saudade, a taxa cumpulsória
De amor que vou pagar até a morte.

Os nossos laços nada há que os corte!
São quase treze anos de uma história
Que se passou do Centro à Zona Norte
E do alto Leblon à velha Glória...

Meio-nortista, fui por ti aceito
E te curti livre do preconceito
E de tudo que oprime e me sufoca.

Sou parte tua e, em parte, me pertences!
Se três quartos de mim são maranhenses,
Um quarto, com certeza, é carioca.

12
             O SERESTEIRO

A tradição mantém, no interior,
O seresteiro das noites de lua,
O bizarro e romântico cantor
Que a essa tradição não desvirtua.

Violão junto do peito, o trovador
Dedilha as cordas e abre a voz na rua,
A interpretar lindas canções de amor
Que despertam, no quarto, a “amada sua”.

Há casos em que a “amada” ele conhece
Só pela silhueta que aparece
Por trás de um vidro fosco de janela.

Mas, dentro da emoção que o arrebata,
Ele sente, durante a serenata,
Que é, de verdade, o namorado dela!


13
        IMAGEM DESBOTADA

Deixaste-me uma foto do teu rosto
No dia em que partiste. Eu a guardei,
Dando a ela a importância que a suposto
Objeto sagrado dá um frei.

Alguns anos depois, tive um desgosto.
Para ver como eras, procurei
A foto lá onde eu a tinha posto,
E toda desbotada a encontrei.

Desde então, bem não sei se por castigo,
Mais que eu venha tentando, não consigo
Lembrar como o teu resto era de fato.

Dele só tenho mesmo registrada
Na lembrança uma imagem desbotada,
Igual à que encontrei no teu retrato.

14
         O MENINO DO SINAL

Pela manhã, consegue algum trocado
Junto ao sinal; ao meio-dia, some
E só retorna após ter inalado
Boa dose da cola que consome.

Volta completamente transtornado.
Estômago vazio, mas sem fome,
Alheio a tudo que acontece ao lado
E esquecido, talvez, do próprio nome.

Anda como um zumbi, entre medonhos
Monstros que o cercam na imaginação,
Mostrando, num olhar quase sem vida,

A marca viva da falta de sonhos
E, num rosto sem luz, toda a expressão
De sua pobre alma entorpecida. 

15
         A PRESENÇA DA ROSA

Há rosas encarnadas, amarelas,
Brancas, azuis, laranja e cor-de-rosa.
Mas, pouco importa a cor que tenham elas,
Toda rosa é macia e graciosa!

Pelos campos, jardins, ruas, vielas,
No chapéu de um moça donairosa,
Nas casas, nas igrejas ou capelas,
Por todo canto, está presente a rosa.

Nessa vida de múltiplos momentos,
Não há momento que não as comporte:
Festejos, batizados, casamentos...

Há rosas para toda ocasião:
Até mesmo depois de nossa morte,
Elas seguem conosco no caixão.

16
      POESIA DE OUTROS VEIOS

Vivo a falar de alguns sonhos bonitos,
De amor sereno, de paixão ardente,
De alegria, tristeza, paz, conflitos
E de outras sensações próprias de gente.

Poucos percebem, mas em meus escritos
Não é sempre o meu eu que está presente.
Meus poemas não ficam circunscritos
Somente àquilo que minh’alma sente.

Muitas pessoas há com quem converso,
Ouvindo sobre suas emoções
Ante fatos reais e devaneios.

Dessa maneira, no que escrevo em verso,
Também existem manifestações
De poesia jorrada de outros veios.


17
CENAS DE UM POENTE

Sozinho, em pensamentos absorto,
Sentindo no meu rosto a brisa fria,
Olho a tarde cair sobre a baía,
Enquanto as velas vão voltando ao porto.

Por entre as algas do marinho horto,
Botos exibem sua acrobacia...
Uma ave, que as plumas arrepia,
Flutua, em surfe, sobre um galho morto.

Então levanto para o céu a fronte
E o vejo, junto à linha do horizonte,
De manchas rubras todo borrifado.

Manchas de sangue, sim, do sol-poente
Sendo aos pouquinhos, poeticamente,
Pela boca da noite devorado...
  
18
VIÚVA SUBURBANA

No Meyer vi pela primeira vez
A cândida viúva, na capela
Onde casava minha amiga Inês
Em cerimônia rápida e singela.

Hoje nem sombra há de viuvez
Em sua casa pequenina e bela,
Onde, um fim de semana cada mês,
Mil loucuras fazemos, eu e ela.

Não impomos limites ao prazer
Nesses dois curtos dias da semana.
E até na copa costumamos ter

Relações, na mesinha rangedeira,
Diante de um pinguim de porcelana
Acomodado sobre a geladeira.


 Lago, Kleber. Caderno de Sonetos / Kleber Cantanhede Lago. São Luís: KCL, 2007



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