terça-feira, 4 de junho de 2013

TONICO (QUEBROU), de Os Loucos de Minha Terra




Quem leu o livro sabe, e quem não o leu já fica sabendo que não substituí nem substituirei um só nome (ou apelido) dos eleitos para comporem os capítulos de Os Loucos de Minha Terra, bem como não alterei nem alterarei uma única linha do texto original do poema. Isso porque conheci todos os personagens, tenho plena consciência de que, mesmo dando um toque de lirismo às narrativas, fui fiel à realidade e procurei tratar com respeito e humanidade cada personagem, não cabendo, assim, a ninguém fazer reclamações, quanto a supostas ofensas morais, já que todas as situações descritas se tornaram publicamente conhecidas, muito antes de eu escrever o poema, tendo sido testemunhadas por pessoas mais idosas que eu, por mim e por muitos da minha geração que ainda estão vivos.

A propósito, Tonico – o personagem escolhido para a postagem de hoje, tem vínculo familiar comigo: era irmão da mãe de minha primeira mulher. Sua presença no poema não provocou nenhum constrangimento aos irmãos, sobrinhos e demais parentes, os quais leram e gostaram. Entenderam, portanto, que o poema não teve outro objetivo, que não o de resgatar excertos da vida dessas pessoas que, com seu comportamento diferente do tido como normal, também ajudaram a escrever a história de Pedreiras, conquistando o direito de vida perene na memória de nossa terra.   

VIII – TONICO (QUEBROU)
Tonico, vulgo Quebrou,
desde o dia em que chegou
à casa de sua irmã,
os sinais de impaciência
deixavam nele a evidência
da condição de tantã.

Dizem que aquele apelido,
que o tornava enraivecido,
aparecera em razão
do corpo curvo e sem jeito
que bem lembrava um mal feito
ponto de interrogação.

Enquanto não provocado,
embora mal-humorado,
um pouco triste e frugal,
Tonico levava a vida
de maneira comedida,
e passava por normal.

Pela manhã, todo dia,
para as ruas ele ia
vender folhas de papel,
balas, canetas, jornais,
publicações semanais
e romances de cordel.

À tarde, num bom passeio,
Tonico saía, alheio
a qualquer obrigação.
Parava, de vez em quando,
para ficar conversando
com quem lhe desse atenção.

Só liberava o ouvido
do coitado, após ter lido
uma longa carta em que,
com carinhoso fervor,
confessava o seu amor
à imaginária Haidê.

Ainda lia a suposta
e recíproca resposta.
Diga-se, cada palavra  
das expressões emotivas
denunciava missivas
saídas da mesma lavra.

Se alguém não o conhecesse
e o visse somente nesse
seu lado um tanto sereno,
não saberia jamais
do que ele era capaz,
no outro lado do terreno.

Só o povo da cidade
conhecia, de verdade,
Tonico nesse outro lado:
ardente como um pira,
cuspindo farpas de ira,
que nem um bicho acuado.

Para vê-lo em desatino,
bastava que algum menino
falasse que Haidê casou,
piorando a situação
se, nessa provocação,
dissesse que algo quebrou.

O Moleque provocante
ouvia, no mesmo instante:
– É tua mãe, vagabundo!
Aquela puta safada
que já ficou arrombada
de trepar com todo mundo...

Teu pai, filho de jumenta,
toda a Pedreiras comenta,
é um corno conformado;
e até gosta disso tudo,
porque, além de chifrudo,
agora virou veado...

Quando Tonico subiu
aos céus, o Quebrou sumiu.
Porém não ficou quebrado
o seu quadro na loucura
pedreirense, onde perdura
em memória, conservado.

(Lago, Kleber. Os Loucos de Minha Terra. São Luís:KCL, 2007)

Agradeço a atenção dos leitores, com um grande abraço. Até breve.

Kleber Lago