terça-feira, 7 de maio de 2013

PEQUAPÁ (de Os Loucos de Minha Terra)


                                                  (Imagem importado do Google)

 Hoje, reservei o espaço deste blog para mais um capítulo do poema-livro Os Loucos de Minha Terra, dedicado a PEQUAPÁ (Raimundo Pires), uma das saudosas figuras que fazem parte da história pedreirense, dentre tantas outras personagens que se folclorizaram, enchendo de alegria o passado da Princesa do Mearim.

                         XIV – Pequapá

 De casa, ainda menino,
eu ouvia: – O home é o Lino*!...
Conhecia muito bem
aquela voz, que seguia
cantando e logo dizia:
Genésio Rego* também!...

Era só mais um Raimundo
dos que existem neste mundo...
Ao mudar-se para cá,
já veio rebatizado
e ficou sendo chamado,
simplesmente: Pequapá.

Do apelido, eu não achei
a origem. Contudo, sei
que chegou a nossa terra,
de repente. Por sinal,
logo depois do final
da Segunda Grande Guerra.

Na Itália, esteve na linha
de frente como pracinha.
E, segundo me foi dito,
regressou a Teresina,
doido e entregue à própria sina,
quando acabou o conflito.

Depois, saiu Pequapá
de trem até Coroatá.
Dono de pernas ligeiras,
dali, vindo a pé e só,
passou por Peritoró
e terminou em Pedreiras.

Muito embora disso não
exista confirmação,
pouco importa o que se pense,
já que aqui quero tratar
mais da vida singular
do Pequapá pedreirense.

O louco pobre, não tolo
como foi Come Miolo*
que, mesmo tendo um padrinho
sempre disposto a ajudá-lo,
morreu seco como um talo,
tuberculoso e sozinho.

Pequapá, de médio porte,
tão ativo quanto forte
e exímio mergulhador,
quando sóbrio, era discreto
meio tímido, correto
e cheio de bom humor.

Entre ele e o velho rio
existia um amasio
tão gostoso de se ver!
Mergulhar no Mearim
deu-lhe vida e fez-se, assim,
seu mais lúcido prazer.

Nos mergulhos, conseguia
o peixe de cada dia,
sem falar que outros achados,
tais como anéis e cordões
caídos de embarcações,
lhe rendiam bons trocados.

Às vezes, se embriagava,
E, sem sentir, adentrava
uma loja ou residência.
Mas, repelido na hora,
tratava de cair fora,
sem nenhuma resistência.

E curtia a embriaguez,
por duas horas ou três,
exposto ao sol e ao calor,
pés descalços, costas nuas,
exibindo pelas ruas
atributos de tenor.

Seu canto tornou-se um hino
muito ouvido: – O home é o Lino!
Genésio Rego também!
Lauro Lages*, barbudinho;
Lauro Lages, capuchinho,
perde no jogo o que tem...

Pequapá mostrou seu canto
por vários anos, enquanto
pôde encher de pinga a pança.
Ouvi-lo depois, somente
através da voz silente
de uma saudosa lembrança.

Quando deixou a bebida,
dedicou a sua vida
mais aos mergulhos no rio,
tendo escolhido a figura
conhecida por Mucura*
para aquecê-lo, no frio.

Em Pedreiras há quem conte
que, ali debaixo da ponte,
onde morava o casal,
eles dois, sobre uma esteira,
transavam a noite inteira,
em gritaria infernal.

Hoje em dia, não se vê
o velho ninho porque
uma horrível construção,
inconvenientemente
levantada bem em frente,
nos tirou toda a visão.

Mas era lá o barraco,
onde, velho, enfermo e fraco,
se despediu de Pedreiras
seu maior mergulhador.
E o rio sentiu a dor,
chorando entre as barranceiras...

Pequapá foi, certamente,
o nosso irmão “diferente”
que mais nos deixou saudade.
Sem ele, resta um vazio
nas águas mansas do rio
e nas ruas da cidade...
___________

AJUDA AO LEITOR
Lino - O senador Lino Machado.
Genésio Rêgo - O também senador Genésio Moraes Rego (pedreirense).
Come Miolo - Raimundo Franco de Sá, um maluco alcoólatra, afilhado de minha mãe e de meu tio Bibi Cantanhede.
Lauro Lages - Rico empresário que perdeu sua fortuna nas mesas de pife-pafe.
Mucura - Mulher que bebia muito e era assim chamada em virtude do mau cheiro que exalava de seu corpo. Já idoso, Pequapá a tomou por companheira.

Mais uma vez agradeço a atenção dos leitores e reitero a minha intenção de manter a qualidade das postagens deste blog.

Kleber Lago

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